Sgto. T.

Tantas definições são dadas na hierarquia social,

Disseram que fazia parte da denominada classe média baixa,

Não sei como pode ser média e baixa na mesma designação temporal,

Conceitos para estratificar a desigualdade que é o que sempre esteve em alta.

Minha infância foi bem vivida, época que existiam regalias,

Viagens proporcionadas pelo salário de papai, que nos servia bem,

Com o tempo, eu e meu irmão fomos perdendo privilégios no dia-a-dia,

Não posso mentir, a criança cheia de sonhos acaba penando como ninguém.

Foi fantástica a aparição das novidades consumíveis,

Rádios no princípio que transmitiam notícias,

Depois vieram as tv’s que pela imagem se tornaram preferíveis,

Mas nunca abandonei a leitura, mesmo das fúteis revistas.

Meu pai dizia que a educação era necessária à nossa formação,

Num mundo de exclusões, toda forma de se distinguir é bem vista,

Ainda assim mantinha o desejo de solidariedade no coração,

Cresci inspirado pelos heróis que conhecia ao longo da vida.

Não me refiro apenas aos ficcionais,

Mas daqueles cotidianos, como um tio meu,

Para sustentar a família travava uma luta diária,

Sem a pompa dos romances, em compensação muito mais digna, creio eu.

Defendi muitos garotos na escola, nunca admiti covardia,

Apanhei várias vezes por se meter à besta,

Coisas de criança valente e inconsequente, mais tarde eu saberia,

Mas o prazer de ser útil compensava as surras que recebera.

Em casa havia também os corretivos,

Aprendendo desde cedo que a moralização é dolorida,

Vamos aprendendo caindo e levantando, isso é o incentivo,

Depois transmitimos às próximas gerações a lógica do: “é assim que meu pai fazia”.

Educado para abominar os desvios de caráter,

Sentia obrigação em ser reto perante a sociedade,

As pequenas faltas cometidas não era consideradas graves,

Crescia com muito orgulho ético e sobriedade.

Um sonho foi alimentado, desde a infância,

Aquelas brincadeiras de polícia e ladrão,

Perpassando por toda a minha adolescência,

Logo estaria servindo o exército mais por gosto que por obrigação.

A hierarquia militar não me intimidava,

Era o resultado do que almejava,

Cumpri meu tempo de serviço de forma simpática,

Fui elogiado por superiores pela conduta engajada.

Mas o militarismo não era a meta final,

Desejava fazer parte das corporações que tem contato direto com a população,

Me esforcei e estava sendo aprovado no exame da polícia militar estadual,

Os testes físicos foram tranquilos pela forma atlética que estava em elevação.

Vieram os trotes, não me transtornaram, já havia a experiência militar,

Acabei em pouco tempo pronto a estar atuando nas ruas,

O mito ganhava forma realista, deixava a imaginação para na rotina pública atuar,

Conhecendo a cidade, cumprindo o papel com bravura.

Preocupava mamãe pelo risco que a profissão oferecia,

As notícias de crimes ajudavam a criar um certo pânico nos familiares,

Papai se mantinha mais rígido, procurava demonstrar segurança por garantia,

A corrupção já espreitava-me dentro e fora da corporação, por motivos singulares.

Oficial novato, cheio de pretensões em modificar as coisas,

Logo aprenderia que a lei fora do regimento é de outra ordem,

Sua função também era passiva de interferências perigosas,

Caminhava sobre ovos, o que causava em sua mente certa desordem.

Conheceu uma bela mulher, logo estariam casados,

Um ano foi suficiente para a chegada do primeiro filho,

Que viria a ser o único, prole pequena era a norma nestes tempo atabalhoados,

Mas aproveitaram bem, mimaram bastante o pequenino.

Consegui seguir minha carreira driblando as dificuldades,

Promoções que não recebi para não me corromper,

Verificação de prisões desfeitas com certa regularidade,

Aprendi a compreender esse sistema sem me comprometer.

Familiares foram ameaçados, mas não afrontados fisicamente,

Fui baleado umas duas vezes, nada de muito grave,

Posso me considerar uma pessoa de sorte, falando realisticamente,

Sobrevivente de um mundo caótico, pelo que se sabe.

Minha revelação ocorreu em um ronda costumeira,

Estava diante de um garoto drogado e assassino,

A imagem de meu filho não saía da cabeça,

Poderia ser ele naquela situação, assim admito.

Feito um castelo de cartas, ou peças de dominó enfileiradas,

A realidade desaba sem dó em cima de mim,

Nem consegui chorar, parece ter sido uma lágrima ao contrário, rejeitada,

Passei noites em claro, tentava em vão dormir.

Meu mundo heróico se desmanchava,

Eu deveria servir a quem, por qual motivo?

Os olhos daquela criança, minha mentira desnudara,

Ficava constantemente cabisbaixo por ter perdido o brio.

Um dia me permiti chorar abraçando meu filho,

Eu havia alvejado um adolescente em troca de tiros,

Falava com voz alterada com minha esposa, eram muitos os conflitos,

Muitas vezes ia para algum bar, enchia a cara até perder os sentidos.

Certa vez uma bala perdida acertou um civil,

Tenho convicção que partiu de minha arma,

A perícia constatou que foi munição de bandindo que atingiu,

Guardei minhas certezas e logo após estava dando baixa.

Me chamam de Sargento ainda hoje por alcunha excêntrica,

Dá um certo ar austero aos que convivem comigo.

Hoje tenho um comércio servido de mercadorias da Santa Efigênia,

Me sinto feliz por tudo que vivenciei pelo caminho.

Meu filho está crescido, diz que pretende ingressar na polícia,

Talvez seja um legado que eu tenha transmitido sem perceber,

Prefiro acreditar que seja escolha dele, que irá mais longe do que fui um dia,

Apoiarei suas resoluções, imagino que um pai deve assim proceder.