Chinelos

Encostado perto do sofá,

Parado e sem uso,

Um dia os pés calçará,

Agora, continua mudo.

Existem diversos tipos,

A indústria é fértil na confecção,

Serve para muitos motivos,

Possui utilidade doméstica como função.

Diversos tamanhos e cores,

Repleto de itens para enfeite,

Muitas alternativas de designer pra compradores,

Levando o mundo da moda ao deleite.

Me faz relembrar sua textura,

Calçava e sentia conforto imediato,

Os dedos pra fora da abertura,

Era meu número de calçado exato.

Quanta poeira fiz levantar com ele,

Quantas poças d’água fiz esparramar,

Corria sem que pudessem deter-me,

Caía, o chão com pedrinhas fazia a pele arranhar.

O marketing oferecia as marcas na propaganda,

Acessório que encontrava nas lojas elegantes,

Nas feiras livres com barracas de lona,

Ou supermercados com estoques em variados stands.

Muitas vezes a borracha gastava,

Feito pneu de carro careca,

Pelas ruas molhadas eu deslizava,

Me estatelando pelas vielas.

Já aprontei a ponto de apanhar por elas,

O ir e vir do braço de meu pai dando chineladas,

E ficava na pele a marquinha do friso delas,

Depois as chinelas voltavam aos pés com formas apropriadas.

Crianças desde cedo aprendem a usar,

Bebês possuem os seus, bem delicados,

Alguns adultos tem mais para mostrar,

Há quem ignore, andam descalço por costume prático.

Quantos intelectuais exibiram estética de desleixo,

Tudo por conta do chinelinho singelo,

A imagem reflete signos que nem todos usam de pretexto,

Mas a popularidade é inegável, do chinelo.

Até nas matérias de tv eu enxergo,

Vemos “índios” com pés calçados,

Explorando a mata com este novo adereço,

Nativos notoriamente “civilizados”.

Nos desenhos animados enfeitam personagens,

Super-heróis só usam em forma de troça,

Em filmes muitas vezes aparece como molecagem,

Também nos campos consegue invadir a roça.

E os pés apaixonados, o aroma do pé feminino,

Ou o cheiro forte do suor acumulado de trabalhadores,

Existem os que perfumam para que sejam mais finos,

Outros fazem pose e desfilam calçados feito atores.

E aquelas tiras, que meus pés cortavam ao meio,

Fazendo aquele desenho em arco,

Alguns momentos os pés parecem ser feios,

Por isso escondemos em sapatos bem fechados.

Adorava usar para matar insetos,

O barulho da sola que estalava,

Acertava alguns que voavam, até no teto,

Sem contar aquele pisão esmagando a barata.

Hoje em dia penso que seja tolice,

Pra que usar como arma o calçado,

Delírio de uma suposta força medíocre,

Me achava forte, mas não passava de um fraco.

Em casa tinha aquela piscina de plástico,

Usava feito barco a sandália,

Altas aventuras que pululavam meu imaginário,

Nada como fantasiar de forma prática.

Quando andávamos no Carnaval passado,

Chinelos feito luvas nas palmas das mãos,

Loucuras de usar o calçado como copo.

Tomávamos um banho de cerveja por diversão.

E o lual, as batidas das solas eram a salva de palmas,

Fora os lançamentos de calçados à distância,

Sempre um acabava com a festa, coisas de quem se achava de boa alma,

Só queríamos aproveitar feito tardias crianças.

Lembro do som arrastado dos chinelos de idosos,

Os pés parecem mais presos ao solo,

Já os mais jovens quase planam com trotes vigorosos,

Sem contar os estáticos que aparentam ser uma foto.

E quantos calçados enfeitaram fotografias,

Apareceram em matéria policial,

No primeiro caso, memória de família,

No segundo, último vestígio ensanguentado do “marginal”.

O menino chegando em casa e dizendo que perdeu um pé,

O pai olha e vê intacto o membro,

Mas se tratava do calçado perdido, nenhum vestígio sequer,

Só restava o choroso lamento.

O casal de amantes que em dado momento,

Jogava as sandálias em qualquer canto,

Noutras horas nem as tirava dos pés, era entretenimento,

Suvenir sexual dos que estão se amando.

Ainda existe a chinelada por brincadeira,

É de leve, sem deixar marcas,

Embora alguns encarem tal descontração como besteira,

Compreendem os pequenos prazeres feito farsa.

E as tiras quando soltam.

Aquela sensação de tropeço ao andar,

Alguns até ignoram,

Mas não há dúvida que seu destino é descartar.

O pé vai modelando a palmilha.

Vai se adequando às formas de quem utiliza,

Se confundida, terá o molde como garantia,

Não haverá quem esse empirismo contradiga.

Quantos modelos iremos colecionar,

Ao longo da vida poucos irão se ater a isso,

Outros terão mais do que conseguirão usar,

Miseráveis se emocionarão com o primeiro chinelinho.

Muitos nem terão um para poder calçar,

Utilizarão a arte do improviso,

Criando formas recicladas para simular,

Contentando-se com esse grosseiro biotipo.

Sempre tem o desafortunado,

Guardando ruins lembranças do chinelo,

Por acabar fazendo uso inapropriado,

Teve o pé mesmo calçado, perfurado por prego.

A sensação de êxtase ao chegar do trabalho,

Pernas pro alto no aconchego de casa,

Depois de um dia duro, o merecido descanso,

Os chinelos, ao prazer eu associava.

E as menininhas e seus chinelinhos de boneca,

As mães com carinho mimam as filhas,

Os meninos gostam dos que possuem a árdua tarefa,

De darem conta do seu tumultado dia-a-dia.

Muitos comerciantes viram neste produto,

O seu Eldorado nascer da noite pro dia,

Os ambulantes também querem seu lucro,

O comércio informal desse estímulo também necessita.

Volto a olhar para aqueles chinelos roídos,

Serviu de brinquedo pra minha cachorrinha,

Ainda consegui recuperar, roto, carcomido,

Mas ainda me servem, calcei e tive essa alegria.

As lembranças ficaram no pretérito e não as terei,

Mas este monumento emborrachado se faz presente,

Através dele, uma parte minha oculta reviverei,

A felicidade nestes pequenos detalhes, servirá de estímulo à mente.

A certeza de onde vim e pra onde vou,

Isso não conseguirei conquistar,

Mas o meio que será meu condutor,

Será o chinelo velho, até sua borracha gastar.