QUANDO ÉRAMOS HUMANOS
Quando éramos humanos e ainda sonhávamos um mundo
Quando tínhamos plena certeza das coisas e dos fatos,
Os pés confortáveis em belos sapatos
O mar seguro, o céu limpo e claro.
As mãos que sabiam o que tocavam.
Quando éramos humanos e não importávamos em sê-los.
Quando éramos água e terra e ar e também fogo
Explosão de palavras e mais palavras
Sentido, limitação, inicio e fim de tudo.
A tudo sabíamos e estávamos atentos
Todos os detalhes, os cortes.
Quando éramos humanos e só isso.
Hoje, mergulhados em miragens e imagens absurdas.
Cães bola parede filmes morte faca bolso antena televisão,
Fragmento de vários outros fragmentos
Que não conhecemos mais a origem
E tampouco o fim do que vemos.
E o poema? O que é o poema?
Uma tesoura certeira a cortar informações várias?
Uma cola resistente a unir pedaços?
Uma patética colcha de retalhos.
Um produto com prazo de validade no verso?
Em desespero num mundo de sons e imagens
Saem da fábrica os poetas
Com fórmulas milagrosas:
Pouca rima e muito cérebro,
Versos curtos e objetivos
Emoção contrita e quase banida.
Ô João Cabral! Se visses os imitadores da genuína arte seca!
Quando não importava se o que nos tocava
Era a realidade ou o sonho.
A escolha livre e justa, sem imposições dos mestres do absurdo.
Quando éramos humanos e queríamos o mar,
Queríamos o avião, o amor, a loucura até...
Hoje não sabemos o que é preciso ter!
Somos plásticos notáveis, quase impermeáveis,
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E vendemos bem, mesmo usados.