QUEM SOU EU
O apelo escondido
O grito sufocado
A lágrima que se oculta
A emoção que naufragada
Num mar de desilusão.
Eu sou o futuro que não veio
O sonho que não pôde sonhar
O sorriso bloqueado
A solitária solidão
Descrevendo seus devaneios.
Sou o filho rebelde que ninguém quis ouvir
A criatividade proibida que jamais pôde criar
Sou um mar de talentos jamais navegado
Um planeta distante jamais explorado
Sou um ilustre conhecido que ninguém quis conhecer
Eu sou a identidade perdida no meio das multidões
A esperança desesperada em si mesma
A vida pedindo uma chance
Eu estou nas esquinas das ruas
Pedinte dos faróis
Sou a visão que ninguém quer ver
A realidade distorcida
A bondade que foi estuprada
A pureza adulterada
A mentira produzida
Na verdade nem sei mais quem sou
Só sei que me fizeram assim
Eu queria ser diferente
Andar pelas calçadas sem ansiedades e medos
Na verdade eu sou...
Um menino adultizado e sem brinquedos
Eu sou a música não cantada
A dança não dançada
Poesia não declamada
Uma tela rabiscada
Que jamais foi a leilão
Eu sou um artista sem a arte
Um cidadão sem cidadania
Um patriota sem bandeira
A riqueza não repartida
Mais um entre milhões de desiguais
Quem sou eu?
Olhe em sua volta e decifrará o meu enigma!
Sou criança desejada pelos pais cujo sonho foi interrompido
Cuja vontade foi ceceada dentro de um lar
Disseram que eu deveria seguir a profissão de meu pai
Este não era o meu sonho!
Eu queria ser qualquer coisa, menos aquilo que queriam que eu fosse
Eu queria ser artista de cinema, queria ser teatrólogo ou cantor
Não queria ser uma réplica dos meus pais
Queria ser Eu, mais ninguém
Como não pude, sou o que sou
Eu sou o destino que não pude escolher
Deram-me um nome
Deram-me uma religião
Deram-me a marca de roupa que quiseram
Mas não me deram um coração.
Sou pedra ambulante
Uma lata enferrujada pelo tempo
Um copo descartável
Um cidadão de papel
Cidadão sem direito
Preso num mausoléu
Estou num labirinto sem saída
Fugindo todas as notes de um minotauro que quer me devorar
Vivo num sistema cheio de saídas
Mas nenhuma dá em algum lugar
Eu sou um excluído sem lar
A lareira sem fogo
A fome que nunca sacia
A fonte sem água
A terra sem cultivo
Eu sou a liberdade prisioneira
O orgulho reprimido
A vida assassinada
A criança abortada pelo sistema
Filho de uma pátria que despreza
Herdeiro da injusta distribuição de renda
Vivendo com o mínimo, miniaturizando-se ainda mais.
Eu sou mais uma vítima do “Estado Mínimo”
Sou o desempregado
O camelô apanhando da polícia do sistema
Sou o ambulante
Tentando sobreviver
Sou a vítima da “Revitalização do Grande Centro”
Sou alguém que as elites abastadas não querem ver
Eles dizem que eu enfeio a cidade, pior é que é verdade
Eu sou alguém sem beleza ou aparência
Não me querem nas praças
Sou um incômodo
Persona non grata
Sujeito indesejável
Sabem que sou?
Sou brasileiro sem governo
Patriota sem pátria
Contribuinte roubado
Cidadão sem saúde
Sem escola e sem nada
Quem sou eu?
Quem sabe amanhã ,você não esteja fazendo essa mesma pergunta em meu lugar?
Cuidado!
O sistema que você defende é muito cruel
O processo é lento
A justiça é injusta
E os magistrados defendem o capital
Sou um sem advogado
Um sem-teto
Um ex-impresário
Um ex-trabalhador rural sem terra
Um migrante nordestino
Um alguém um dia bem-sucedido
Que defendeu o sistema
Um capitalizado que se descapitalizou.
Eu sou você amanhã!