CERTO DIA NO AÇOUGUE

CERTO DIA NO AÇOUGUE

 

Certo dia fui ao açougue,

Quando o rei já não permitia,

E foi lá que logo eu soube,

Que dinheiro de nada servia.

 

Venderam todo gado lá fora,

Para nunca servir ao Brasil,

E pra nós vi sobrar só a mora,

Dos juros que pago ao fuzil.

 

Tão culpando a guerra dos brancos,

Mas sou pardo e não posso entender,

Tantos corpos descendo o barranco,

Mutilados e mortos por crer.

 

A desculpa é por causa das drogas,

Mas se for trinta e nove é o poder,

Pois só eles se livram das provas,

E o culpado sou eu por nascer.

 

Eugenia por aqui já tivemos,

Preto e pobre querendo evitar,

E por isso a casa não temos,

Nem esmola ou sala escolar.

 

Só nos resta a cova e o sertão,

Mas agora não vão me enterrar,

Porque quem não tem um tostão,

Vai morrer sem nem definhar.

 

Nossos corpos serão dos ratos,

Sem cartão e sem conta no banco,

Aliás, já não como nos pratos,

Pois a fome se foi nos barrancos.

 

A esperança do povo é o inverno,

Pois que chega pra todo vivente,

Ou é quando vai rico pro inferno,

Pois a foice da morte não mente.

 

Ter dinheiro não faz imortais,

Mas ilude os donos do poder,

Que amealham riqueza sem paz,

Pela crença de lhes pertencer.

 

Mas a única verdade que salva,

Advém do respeito em convívio,

Como seiva que nutre a alma,

Pois o corpo nos pede alívio.

 

Se queres ser eterno, mereça!

Não aja como irresponsável,

Não faça o que dá na cabeça,

Se a alma quer tudo saudável.