BADALADAS
Ainda não se percebia
no caderno cinzento do céu
um rabisco de sol,
e já se ouvia
ao longe o toque do sino.
Eu, menino,
me perguntava
por que haveria tão cedo de tocar
antes mesmo do galo afiar a voz,
e enquanto seus ouvintes
ainda se emaranhavam
nos cobertores,
e nos estertores
de cada sonhar.
Pensava, inventivo,
ser obra dos anjos
ou dum canário,
silvando seu canto
no campanário.
A manhã
se espreguiçava lentamente,
homens saiam acelerados
dos bordéis
e o apito da igreja apressava
seus fiéis.
A vida se marcava
em badaladas:
a missa,
o batizado,
o casamento,
a procissão,
celebração
de corpo presente,
e de almas ausentes.
Mulheres e homens,
crianças também (que jeito!)
encaminhavam sua devoção,
e caminhavam em sua direção.
Ao chamado de Deus,
em qualquer que fosse
as instâncias
e circunstâncias
do badalar,
eles não haveriam de lhes negar
obediência
às amídalas metálicas
da garganta do seu sonoro
e diuturno mensageiro.
E a Igreja se completava
com fiéis que se enchiam de tanto rezar,
enquanto outros esvaziavam o seu pecar.
©️ Leonardo do Eirado Silva Gonçalves
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