O MENDIGO ERA EU
2° poema da série:
“O Cotidiano nosso de cada dia!”
Leia também:
Os Semáforos e os Soníferos da Vida (n° 01)
O MENDIGO ERA EU
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Vivia maldizendo a vida,
Andava triste e aborrecido
Quando me deparei, na rua,
Com aquele ser desvalido
.
Eu vi nos olhos daquele homem
A aridez da vida
A fome, o frio,
As intempéries.
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Esculpiram na sua face
Uma sentença cruel, perverso sinal
Um anátema de um mundo desigual.
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A dor latejante do abandono
Cavou um sulco no seu rosto
Por onde as já desidratadas lágrimas
Há muito não escorriam
Pelo leito seco e estéril das lástimas
Que a indiferença dos homens
Assim sedimentou
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E ele, que eu presumi,
No meio do seu ócio,
Da invisibilidade social,
Que cultivava um ódio
Da sociedade em geral,
Sorriu para mim!
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Pressentiu a minha ferida,
Do homem “bem-nascido”,
Ofertou-me a sua bebida
E disse-me que Deus
Estava sempre comigo
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Pois a vida era muito bela
Para se maldizer
E também é uma aquarela
Para se enaltecer
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Então, constrangido,
Derramei uma lágrima,
E, envergonhado, eu percebi por inteiro
Que perante os desígnios de Deus,
E diante da gratidão daquele esmoleiro,
O mendigo, na verdade, era eu.
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Leonardo do Eirado Silva Gonçalves
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