NASCIMENTO
(acompanhado de jingoma, ngola-mata, coro e dança)
Por advinha, ficamos a saber que o recém nascido
É o Potentado Ngunza*
Futuro Régulo de sementeiras e espaços baldios
O destino recai sobre ele com imensa admiração
Pois no céu afora, a lua condescendeu
Com o diximane* antes da primeira mamada
E aléns, o elefante bate com a pata no torrão
Em confirmação da chegada do espírito lendário
Ido há distantes anos!
Já no recinto, o Nganga* manda chamar os inquilinos
E um tanto de amigos e vizinhos próximos
Mas compareceu um populacho curioso
De toda a sanzala e alhures
Falando alto e simultaneamente
Com entusiasmo de saudar o filho fidalgo da terra
(Entram conhecidos e desconhecidos
E os que quedam-se à rua
Festejam também sem ressentimentos)
Kowelenueeh!* – intromete-se uma voz anónima
A meio de salvas de batuques, ngola-mata, gracejos
E o derramar de kimbombo* afinando as gargantas
Por agora
Uma massa de varões canta e regozija em rodeios
Cantam também os neófitos de lés a lés
Rogando a Ngonga* que protege o devir
Do outro lado da vasta kitanda
Iniciadas matronas da povoação dirigem louvores
Às deusas benévolas do parto
Em sintonia com a voz da foz no mar em cinesia
Onde a água doce
Se confunde com a salgada
Caindo em cascatas de encantamento
Enquanto o retumbo ecoa cavo nos seios soltos—
E assim todos irrompem num bailado ao benzimento
Da célebre criança; amigo do bicho corpulento
A cujo totem pertence
A dança invoca génios tutelares para atalhar ao mal
E que o nosso dikoso* não mais redunde em fracasso!
Ngunza = identidade espiritual
Diximane = fruto de diximane e seu caroço que se faz prender do pulso
Das crianças para evitar maus-olhados
Nganga = sacerdote/tisa; mestre-de-ceremonias
Kowelenueeh = aclamai!
Kimbombo = bebida alcoólica local
Ngonga = deusa da felicidade
Dikoso = substância untuosa usada para fins mágicos
Escrito em Kimbundu (Angola).
Tradução portuguesa do autor.