cida piussi
Tantos anos.
Teutônia da minha infância.
Terra de terra, onde o vermelho do solo e a poeira
enchiam e preenchiam minhas noites e dias.
Tempo de alegria.
Tempo de alergia.
Tempo de viver o que dava e o que podia.
Anos viçosos.
Anos gloriosos.
Anos de graça,onde, na igreja, de vestido branco
engomado, via o meu príncipe encantado...
E, encantada, desviava os olhos;
Quando, de repente,
inesquecivelmente,
o verde intrigante encontrava a minha ansiedade.
Infância de verde,
de azul,
de amarelo,
de preto.
Preto?
O preto, da dor sentida no último sopro de vida
do meu anjo particular, meu adorado irmão.
Dor que nenhuma criança deveria enfrentar.
Tempo de infância,
de tropeços,
traquinagens.
- "Guri de vestido?"
Que fazer se meu cabelo foi raspado e só usava vestido?
Tempo de descobrir,
de imitar,
de" substituir" mamãe
em sala de aula.
Tempo de acordar.
Na madrugada ouvir meu pai apontando o céu:
- Minha filha, olhe, lá em cima, não é estrela.
É o " sputnik" dos russos,
é a estrela cadente,
é o Cruzeiro do Sul...
Tempo de correr,
virar cambalhotas nos cinamomos,
desafiar as cercas de arame.
Tempo de ganhar.
Tempo de aprender.
Tempo de dividir.
Tempo de receber todas as marcas e feridas.
Tempo de pouco tempo,
de um longo tempo
que, há muito tempo,
o tempo levou.
Tempo de recordar.
Hoje.
Tempo, de ter certeza,
que o melhor tempo é o curto tempo
de felicidade
que eu puder ter.
Não importa o momento,
não importa o tempo.
O breve instante de luz
que, em qualquer tempo
deste tempo,
vivi.
Quem sou eu?
Que sou eu?
Que sei eu?
Sou o início de tudo,
o meio de todos,
o fim de nada?
Sou a ideia de Deus,
o trabalho do homem,
o resultado de uma longa jornada?
Sou o início de algo que não se definiu...
(CIDA PIUSSI- 1999)