Eu e o tempo
Não vou ficar preso à hora
desse relógio maldito,
nesse tique-taque aflito,
prisioneiro do agora.
Não se apressa, nem demora,
caminha sempre contrito,
naquele disco esquisito
guarda o tempo e o põe fora.
Não vou ficar preso ao tempo
nas torres das catedrais,
nos movimentos braçais
que carregam desalento.
Não me penduro em parede,
nem brilho em telas luzentes,
não giro nas rodas de dentes
das engrenagens da rede.
Sou eu o dono das horas,
das horas do mundo inteiro,
não sou corda de ponteiro,
quando quero, vou-me embora.
As horas são todas minhas,
meus minutos, meus segundos,
o tempo de todos os mundos
guardei nas minhas bainhas.
E mato o tempo, sem mágoas,
amando as mulheres vadias
que ganham as vidas vazias
por debaixo das anáguas.
Tempo sim e tempo não
passa o tempo em minha porta,
com a sua cara torta
e seu roto coração.
Tempo não e tempo sim
vai-se o tempo nas janelas,
com suas pernas magrelas
e seu caminhar chinfrim.
O tempo, que não me vence,
não perde pra mim também,
nesse louco vai-e-vem
um dia ele me convence.
Seguimos, eu e o tempo,
nessa eterna confusão,
um dia, vou-me no vento,
sem tempo no coração...
Outono de 2016
Manhuaçu, MG, 18 maio/2016