SOLITÁRIAS SOLIDÕES
SOLITÁRIAS SOLIDÕES
No silêncio do calabouço
O vazio me cala a boca
Na calada da noite
Já perfeitamente louca
Ouço o som do açoite
Estendido no varal
De uma corda vocal
Já desafinada, pouca
Jaz desfiada e rouca.
Agonizante
Agora diante
Da dor lancinante
Que se agiganta
Dentro da garganta
Que não mais canta
Apenas triste clama
Por um laivo de voz
Que levou, seu algoz.
Tiraram-me toda roupa
Deixaram-me um ser nu
Restou-me um ser só
Como uma tigela de sopa
Rala e seca como o pó
De sabor cru
Dissabor cruel
Uma navalha
Um cinzel
Que entalha
Na carne
No cerne
Na derme
Com alarde
Atrás da grade
O fogo que arde.
A dor que se esculpe
Da tatuagem feroz
Um desenho veloz
Não há quem desculpe
Um sinal tão atroz
Mutilando
Fuzilando
A voz
A vez
Secando a saliva
Expondo a ferida
Na tez
À míngua
Sem língua
Sem ter dó
Re mi faz só
Lá si como dói
A perda me corrói
O rato que voraz rói
No chão imundo
O tapete úmido
Dos vastos paladares
Das glândulas salivares
Tudo se encerra
Até as ilusões
Mais refratárias
Torno-me bicho
Torno-me fera
Limalha, alimária
Restos de lixo
Nas solitárias
Nas podridões
Nos paredões
Das solitárias solidões
Uma sensação funesta
Lapida em mim
O estertor da sanidade
Dilapida, por fim,
Resquício da dignidade
Só isso que me resta
Aparar a última aresta
E observar
Pela janela invisível
Pela invisível janela
Liberdade indisponível
Dentro da minha cela
Desprovida de mim
Sozinha, neste porão
Onde mais me porão?
Num poço sem fim?
Se eu digo que não!
Eles dizem que sim!
Sem hora e sem relógio
Não sou parte do colóquio
Nem sequer do solilóquio
Sem relógio e sem hora
Aguardo a velha senhora
Com o seu negro capuz
Que logo me conduz
À minha pesada cruz
E sem nenhuma demora
E com a foice dura
Ela, sádica criatura
Habilmente costura
A minha sepultura.
© Leonardo do Eirado Silva Gonçalves
Direitos reservados. Lei 9.610/98
18 de janeiro de 2019