O Fundo do Poço
Quando o homem chega ao fundo do poço
somente uma coisa lhe resta a fazer:
estalar do corpo o último osso
e voltar lentamente a ascender.
Quando o homem é ainda muito moço
tudo ele quer abarcar, e tudo ter,
e não é sem considerável alvoroço
que tenta seu império estender.
Pensa ser invencível, ser o colosso
que a tudo e todos conseguirá vencer,
mas descuida de ter da vida o endosso
e não supõe que tudo lhe pode acontecer.
E assim vai trabalhando seu emboço,
imaginando os seus castelos erguer,
mas acorda, e está preso no esboço
dos sonhos que ousou empreender.
Nem tanto pensa o que terá no almoço
ou no jantar o que irá comer,
só pensa em escapar do enorme fosso
que já lhe ameaça absorver.
E quando a pancada rude em seu dorso,
impiedosa, o coloca a sofrer,
o sofrimento se faz denso, muito grosso,
e só aí ele começa a entender.
Está então o homem no fundo do poço
sem nada mais por si poder fazer,
a não ser retesar o mais dorido osso
e recomeçar, lentamente, a viver.