PRA ME SENTIR MENOS SÓ

Eu queria escrever um poema

sem tanta complicação, que tocasse um coração.

Não um coração qualquer. Mas, talvez, um quase sem fé.

Não um coração em paixões cegas ou alienado.

Mas um solidário e machucado.

Não um coração fechado.

Mas um sensível e esfomeado,

ainda que escondido pela timidez ou por fachadas.

Não um coração de veemente juventude.

Mas um precoce, talvez, por vezes,

cansado e desiludido demais

pra acreditar que ainda adianta tentar...

Eu queria apenas escrever um poema

sem tanto vazio repelente, que tocasse uma mente.

Não uma mente qualquer. Mas uma sem cabeça nem pé.

Não uma mente estúpida ou arrogante.

Mas uma, sem dúvida, pensante.

Não uma mente intolerante ou da ignorância escrava.

Mas uma de infinitos horizontes e senso de humor,

ainda que, ao mesmo tempo, atormentada.

Eu queria apenas escrever um poema...

Que exigisse silêncio, não palmas! E que tocasse uma alma.

Não uma alma qualquer. Mas uma nascida de mulher.

Não uma alma mascarada ou distante.

Mas uma profunda e desconcertante.

Não uma alma de confetes e serpentinas.

Mas uma de incorrigível poesia.

Não uma alma de pedra ou morta de sentido.

Mas uma de amor, olhos e ouvidos.

Não uma alma de sementes estéreis.

Mas uma de aspirações eternas.

Eu queria apenas escrever um tal poema,

sem dúvida pra me sentir menos só...

Mesmo sabendo que as palavras,

por mais que sejam poéticas e mágicas,

não bastam.