A CHUVA, A ROUPA, A LESMA E EU
Chove.
Recolhe a roupa!
Vai o mundo úmido, lentamente,
Feito a lesma muda...
Mas escuta!
A lesma muda a todo sal,
Como muda a muda
De roupa no varal
A todo sol...
Diz-se tinta
A distinta velha pinta
Desbotada da roupa finda:
Farrapo habitado pelo tempo,
Salpicado de cores
Trazidas pelo vento.
A roupa no varal,
De outro carnaval...
Em quantos nus
Puseras tu os teus azuis?
E o negro, a quem vestias?
Quem chorou a morte
Das horas nuas
Que se foram pelo ralo
Da vã filosofia?
Sempre preferi o azul...
Que desbota lindamente,
Como deveria ser
Envelhecer...
Tornar-se branco
Sem se violentar em tons e mãos.
Apenas se desgastar naturalmente,
A cada dia, a cada varal,
Com a imponência de quem morre em batalha.
Chove. Recolhe a roupa!
Deixa a lesma
E os devaneios no quintal...