Zimmer
Sujeito despersonalizado,
Estrangeiro em si.
Foi como gente naturalizado,
Mas procura-se nesse existir.
Zimmer, é o seu nome,
Poderi a ser qualquer outro,
Nos sonhos diários é um insone,
Como vivo se sente morto.
Despatriado busca asilo,
Em qualquer nação sentimental,
Indigente sem um abrigo,
Seu lar é o mundo não natural.
O sentimentalismo morreu,
Ou antes se fez extravasar,
Nessa corte ele é plebeu,
É de qualquer parte, nenhum lugar.
Seus pés sempre a procura,
De solo novo a perscrutar,
Andarilho que vagas pelas ruas,
Sem pousada que o posso aceitar.
Sua miséria é de alimento,
Um pouco mais sutil,
Não menos indigesto o lamento,
Por isso vive por ardil.
Sua companhia,
Um cão ulcerado,
Companheiros em melancolia,
Dois viventes maltratados.
Ao acariciar aquelas feridas,
Sente cicatrizar as suas,
Caridade real de hipocrisia,
No gesto sente a carne desnuda.
Mas quando toca o ser pustulento,
Existe uma transferência de personalidade,
É do seu interior que parte o sofrimento,
Uma espécie de transubstancialidade.
Se lhe tirassem uma foto,
Captariam apenas a casca,
Engana com mudança de corpos,
A pele é roupa que disfarça.
Um breve beijo de suspiro,
Leva uma oração nunca feita,
As pessoas que recebem, ocorre um arrepio,
Dizem que a morte as tomou por eleitas.
O amparo lhe parece marquises,
Onde se abriga das tempestades,
Nem todas são seguras, acredite,
Muitas caem nas cabeças sem piedade.
Banido mesmo de corpo presente,
Um excluído incluído na sociedade,
Um guerreiro que é sobrevivente,
Mesmo vivendo na clandestinidade.
Sua fé é otimismo de esperança,
Não pela gratidão restituída,
Mas pela desgraça que não abranda,
Prefere sua existência logo destruída.
Seus olhos de um negrume cético,
Abocanham a vida feito uma Quimera,
Lendo a existência como um disléxico,
Até o medo que nele existia se desfizera.
Um palhaço de sorriso triste,
Sua alegria é amargurada pilhéria,
Olhos avermelhados, chorosa conjuntivite,
Sente que sua figura é patética.
O amor que sente é quase messiânico,
Porque sabe não ocorrer retribuição,
Se sofre, ninguém lhe enxuga o pranto,
As pedras do caminho seus pés cortarão.
Mas Zimmer prossegue sua caminhada,
Quer chegar no fundo do seu poço,
Sabe que ainda pode cavar na superfície lameada,
Vive até que o corpo, como ele, sinta-se morto.