UM HOMEM E UMA IMAGEM
UM HOMEM E UMA IMAGEM
Sentado na soleira da igreja,
Meio vestido meio só,
Perscrutava os horizontes da praça!
Roupa esfarrapada, informe,
Pés cruzados, olhos cor de prado,
É rei de um mundo seu!
O ceptro, que toca o céu,
É o já gasto cajado
Que consigo vive, consigo dorme,
Qual navegante em carcomida barcaça!
Ninguém dele tem pena, dó,
Não há sorrisos nem quem o deseja!
Cabelos revoltos são ondas
Marulhando informes ao vento
Que naquela fria soleira
O homem afaga com carinho!
Mãos trémulas agitam-se sem agarrar
A brisa que passa ali, sem olhar
O estro misturado com o suor do caminho!
Sem passaporte, sem carteira,
Nem pestanejar, sem lamento,
Orações, rosário ou contas!
Parece governar um reino singular
Feito de sonhos, flores, matagais
Salpicados por riachos,
Fontes lacrimejando pérolas
De água, como nas histórias
Que guarda no coração de criança!
É doutor, médico, conquistador,
Montado em cavalo de ilusão,
Arquitecto, cavador, marinheiro,
Arlequim de um teatro infantil
Onde não há Columbina!
A gente que passa olha e sorri
Ao ver naquela fria pedra, ali,
O homem que , quieto, olha e caminha
No seu espírito de devaneios mil!
De mansinho, ergue-se o caminheiro,
Alquebrado, bem junto do bordão,
Como juntos estão a saudade e o amor!
Passo arrastado após passo,
Ele avança, avança, avança….
Por entre olhares desprovidos de glórias
Das pessoas que assumam nas janelas!
Acompanham o homem a esperança e os braços
Que afagam as dores dos mortais!
E caminha, o pedinte-rei do amar…
Devagar pisa as pedras da calçada
E some ao fim da rua, que é só sua,
Como sua é a madrugada!
José Domingos