Sentido Translúcido

Abra os olhos,

Observe a vida,

Sinta os corpos,

Sobreviva.

Morro quando nasço,

O relógio move-se,

Sinto que despedaço,

O tempo é torpe.

Cuspo o fel da vida,

O gosto amargo

Ainda sinto na língua,

Um pútrido escarro.

Não desperdiço lágrimas,

Que exploda o coração,

Enterro as lástimas

Travestindo a emoção.

Adagas perfuram o peito,

Não como objeto de fato,

Mas simulados trejeitos

De um sentir que é fardo.

Respiro o mundo,

Sufoco por inanição,

Quero tudo,

Sem ter nada por menção.

A cabeça lateja,

Têmporas pulsando,

Meu cérebro em peleja,

Esperanças vão mitigando.

Arranhacéus de ilusões,

Sonhos castrados,

Nefastas predileções,

Obstáculos de abismos escarpados.

Verborrágico pedantismo

De uma existência miúda,

Ou seria atavismo

De uma gênese obscura?

O sol brilha negro,

Astro profano,

Revela segredos,

Expõe tristes tomos.

As ilhas eu compreendo,

Existem em cada um de nós,

Alguns não percebem, eu entendo,

Logo sentirão, refletindo a sós.

O trepidar da fogueira apagada,

Uma matilha uiva por apostasia,

O ar gélido de forma anunciada,

Provoca terrificante paralisia.

Poeira levanta e se mostra,

Demonstrando o que sou,

Sem um sentido que possa

Ser afirmado com ardor.

Nada resta!

Ainda resta algo.

O nada atesta,

Aquele resto que ficou.

Retirei a maçã podre,

Sumi diante da perda,

Mesmo que a fruta fosse,

O hiato pútrido talvez permaneça.

Meu diário está em branco,

Páginas repletas de espaço,

Memórias inexistentes, sem pranto,

Pensamentos que nascem apagados.

Queria transbordar,

Mas meu conteúdo, raso,

Jamais avolumará,

Absorvido apenas em um trago.

Este peso é força gravitacional,

Puxando-me para o solo,

Atraindo-me de forma habitual,

Aguardando-me em seu bruto colo.

Proteus de formas entediantes,

Assume personas cotidianamente,

Procurando não ser constante,

Acaba sendo um descontínuo constantemente.

Varrendo a terra com este andar,

Passos marcados de exílio,

Prisioneiro de infortúnio particular,

Errante de futuro sombrio.

Fonte seca de desertos povoados,

Última luminosidade,

Um pavio a ponto de ser apagado,

Resquício desta miserabilidade.

Éden corrompido,

Jardins suspensos

Totalmente decaídos.

Estou louco, logo existo!

O último suspiro,

Sentindo o aroma

De um desejo prurido,

Que por inteiro me toma.

Alegria tristonha

De um palhaço medonho,

Risada chorona

De um rosto estranho.

Gota final de um orvalho

Libidinoso, ardiloso,

Antropofágico orgasmo,

Prazer desdenhoso.

Peito aberto pro mundo,

Vísceras expostas,

Espetáculo moribundo,

Diriam leigos por doxa.

Escalando penhascos

Feitos de pura agonia,

Pedaço à pedaço,

Venço percalços de melancolia.

Cavaleiro das trevas,

Doma corcéis do pânico,

Cena sufocante, deveras,

Deixando espectadores atônitos.

Adentrando esferas humanas abissais,

Indo aos recônditos da aflição,

Tudo que se conhece, desvanecerá,

Resistindo apenas, falaz solidão.