DEPOIS DE CABRAL...

DEPOIS DE CABRAL...

 

Estranho é o ímã da natureza,

Que às vezes leva a bombordo,

Mesmo que tenha a correnteza,

A reclamar navegar estibordo.

 

Foi nessa leva que vi Cabral,

Por suscitar vir numa calmaria,

Mesmo já tendo revisto o sinal,

De que estava a chegar na Bahia.

 

Eu fui o índio de cima de um pau,

Que viu Pero Vaz se fazer Sardinha,

Desde o momento em que fui canibal,

Por aprender que do mar vem tainha.

 

Sob as sombras de um coqueiral,

Logo avistamos quem nos avista,

Pois tinha casa do caralho no pau,

Mas foi o pau do mastro à vista.

 

Nesse remanso Cabral sepultou,

Nosso futuro de guerra intestina,

Quando ao final a rede balançou,

E Portugal ficou só na retina.

 

Tudo aqui já não me pertencia,

Mas o ladrão só queria escravos,

Junto com ouro e tudo que havia,

Para gerar filhos já condenados.

 

Fui mameluco, cafuzo e mulato,

Mas também índio e preto do bom,

Com minha alma perdida do mato,

Sem cor de pele, só preto/marrom.

 

Vivo até hoje comendo despacho,

Pois fugitivo não tem uma mesa,

Pego no chão uma fruta do cacho,

Que está podre pela natureza.

 

Tudo de bom que aqui se produz,

Vai lá pra cima e pra Casa Grande,

E o que sobra só vem com mastruz,

Se nem posso ser Filho de Gandhy.

 

Meus ancestrais até hoje choram,

Pelo desterro e a vil servidão,

Bem diferente dos que não moram,

Numa senzala ou em cada porão.

 

O nosso prédio só é sub-solo,

Pois a cobertura é de um senhor,

Senhor de milícia ou comodoro,

Sendo navalha e rei do terror.

 

Mas quem tá vivo tem esperança,

Até porque teve a vida em paz,

Onde se vivia sem tanta ganância,

E a ignorância de quem só desfaz.