Jaula Inútil

Parte I

A palavra é uma jaula inútil

Que não prende nem liberta nada

Pode ser escada, beco... pode ser tudo

Pode ser um mundo inteiro de vazio

O sentido já se perdeu pelo caminho

Mesmo a bala que mata não tem sentido

Só o caminho trágico que ela percorre

E assim se morre, e assim se vive

E assim o tempo finge que passa

E é essa a graça que colore os dias

E que nos faz contar as horas imaginárias

Pobres crianças que somos

Que em tudo cremos, e que por tudo esperamos

Pobres humanos que somos, sempre a mirar

Os céus, as esquinas que ainda estamos por dobrar

E olhamos pra água na esperança

Que ela se tinja de vinho, que elas se abram ao meio

Que elas se tornem chão pros nossos pés

Mas a água continua a ser água

E a palavra água, ainda que mude para vinho

Não mudará sua cor, ou turvará tuas vistas

Não há pistas sobre a verdade, mas a procura

É a própria cura dos nossos males

A palavra é forma, fôrma, argila

A palavra é pecado, perdão, virtude

E ainda que a palavra mude, ou mudem o teu nome

A fome não deixará de ser flagelo

E os anjos não cairão das nuvens

ainda que os chamem de Nefilins

a palavra é jaula inútil, grades tortas

sem portas, sem limites, vazio imenso

Parte II

A palavra, quando diz, também se cala

É silêncio quando se molda em grito

É prisão, quando pretende o infinito

É cruz em sangue, estrela, ou mandala

É tumba, manjedoura, ou funda vala

É tudo o que jamais pode ser dito

É o que por Deus já foi maldito

E o que mostra o quanto posso amá-la

É traço, rastro, vestígio, história

É arma, guerra, uma solução final

É assassinato, à luz do dia, da memória

Ela veste de conceitos o bem e o mal

Disfarçando-se com as roupas da glória

De ser de Deus o verbo e do pastor seu capital.

Marcelo Simas Pereira
Enviado por Marcelo Simas Pereira em 20/03/2022
Código do texto: T7476936
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