Jaula Inútil
Parte I
A palavra é uma jaula inútil
Que não prende nem liberta nada
Pode ser escada, beco... pode ser tudo
Pode ser um mundo inteiro de vazio
O sentido já se perdeu pelo caminho
Mesmo a bala que mata não tem sentido
Só o caminho trágico que ela percorre
E assim se morre, e assim se vive
E assim o tempo finge que passa
E é essa a graça que colore os dias
E que nos faz contar as horas imaginárias
Pobres crianças que somos
Que em tudo cremos, e que por tudo esperamos
Pobres humanos que somos, sempre a mirar
Os céus, as esquinas que ainda estamos por dobrar
E olhamos pra água na esperança
Que ela se tinja de vinho, que elas se abram ao meio
Que elas se tornem chão pros nossos pés
Mas a água continua a ser água
E a palavra água, ainda que mude para vinho
Não mudará sua cor, ou turvará tuas vistas
Não há pistas sobre a verdade, mas a procura
É a própria cura dos nossos males
A palavra é forma, fôrma, argila
A palavra é pecado, perdão, virtude
E ainda que a palavra mude, ou mudem o teu nome
A fome não deixará de ser flagelo
E os anjos não cairão das nuvens
ainda que os chamem de Nefilins
a palavra é jaula inútil, grades tortas
sem portas, sem limites, vazio imenso
Parte II
A palavra, quando diz, também se cala
É silêncio quando se molda em grito
É prisão, quando pretende o infinito
É cruz em sangue, estrela, ou mandala
É tumba, manjedoura, ou funda vala
É tudo o que jamais pode ser dito
É o que por Deus já foi maldito
E o que mostra o quanto posso amá-la
É traço, rastro, vestígio, história
É arma, guerra, uma solução final
É assassinato, à luz do dia, da memória
Ela veste de conceitos o bem e o mal
Disfarçando-se com as roupas da glória
De ser de Deus o verbo e do pastor seu capital.