O Dom do Estrago
Trago em mim o dom do estrago
Esfarelo em minhas mãos o que é inteiro
Do inteiro sempre desconfio
Andando no fio da navalha
Porque talvez não valha a pena
O risco da confiança suprema
Na natureza humana
Que se pretende absoluta
Trago em mim o dom do estrago
Estrago do início ao fim
Estrago tanto que sequer ao início chego
Ao aconchego de um início
Que é a promessa de um fim
Eu sou assim, e em mim embriago
Tudo o que assim não for
Tudo o que não for remendo
E remendos há tantos
Em minhas roupas de poeta
Maltrapilho de versos entrecortados
Coração partido
Razão rasgada pelo desatino
De tudo o que não se parte
E parte de mim não é
Tudo o que vem pronto e embalado
E faz da mente órgão obsoleto
E da consciência, substantivo abstrato
Trago em mim o dom do estrago
E estrago mesmo, vandalismo instintivo
Enrabo os anais da poesia
Na heresia de vestir-me com suas roupas
Roupas de poeta
Maltrapilhos trocadilhos
Que eu tomo como trago
Tragando tomos, digerindo versos
E estrago todo o resto de bom
Que em mim trago
Em mim restando o dom
Do divino estrago