O Dom do Estrago

Trago em mim o dom do estrago

Esfarelo em minhas mãos o que é inteiro

Do inteiro sempre desconfio

Andando no fio da navalha

Porque talvez não valha a pena

O risco da confiança suprema

Na natureza humana

Que se pretende absoluta

Trago em mim o dom do estrago

Estrago do início ao fim

Estrago tanto que sequer ao início chego

Ao aconchego de um início

Que é a promessa de um fim

Eu sou assim, e em mim embriago

Tudo o que assim não for

Tudo o que não for remendo

E remendos há tantos

Em minhas roupas de poeta

Maltrapilho de versos entrecortados

Coração partido

Razão rasgada pelo desatino

De tudo o que não se parte

E parte de mim não é

Tudo o que vem pronto e embalado

E faz da mente órgão obsoleto

E da consciência, substantivo abstrato

Trago em mim o dom do estrago

E estrago mesmo, vandalismo instintivo

Enrabo os anais da poesia

Na heresia de vestir-me com suas roupas

Roupas de poeta

Maltrapilhos trocadilhos

Que eu tomo como trago

Tragando tomos, digerindo versos

E estrago todo o resto de bom

Que em mim trago

Em mim restando o dom

Do divino estrago

Marcelo Simas Pereira
Enviado por Marcelo Simas Pereira em 14/02/2022
Reeditado em 01/03/2022
Código do texto: T7452174
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