Carta para Ulisses

Não sou contraponto

de nada

Não sou crônica,

não sou conto

Se sou

sou marca não registrada...

nunca poema,

nem tal prosa

nem número, nem grau...

talvez a tosa,

quem sabe mais um pouco

do caos

Não sou o gênero do toco

nem o sexo da árvore

o morno latente

o frio do mármore

o tombo aparente

para cabeça na trave...

Nada que arvora

Todo sol sem clave

Nada de mim se sonora

Sou parte da hora

que demora demais

Tempo atemporal dos temporais

a ferrugem do agora

invenção da melhora

em planos irreais

Não sou contrapartida

de nada

Não sou vida

o tudo não me sabe

O caminho sem saída

do beco que podia ser estrada

Sou o que não sou

nem lenha, nem linho

Nada de intermédio

entre a uva e o vinho

menos que vinagre

nunca o remédio

talvez zinabre

A falta de interlúdio

do prenúncio

Talvez o arquétipo

da denuncia do anúncio

Não sou lâmina

porém, corto o sabre

Nada em mim

é neve

nem lava

ferida na terra fértil e leve

O peso da palavra

nada de milagre...

Buraco que se cava

sou

Saliva que não se acabe

a lágrima que não restou

Nada de rótulo

Sou adepto do silêncio

Apóstolo do grave

o agudo da ponta

ao extremo

Não sou o que se conta

o que venço

o que tremo

Sou sem ser,

sinceridade nenhuma

mar seco que deseja

a própria espuma

Ar que não areja

verdade de coisa alguma

Ah, sou asneira

mosca que vareja

O tudo que escrevo

O que o pensamento desacha...

Sou o relevo

da mesma tranqueira

O que quer que eu sinta

o que a alma consinta

sou mais a borracha

e menos que a tinta

Em resumo

nem o pão

nem a fome

mas o fumo

da sede do homem

07-07-1985

22h32min

Murillo diMattos
Enviado por Murillo diMattos em 23/03/2021
Código do texto: T7213655
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.