Estou precisando é de muito amor

Teço meu verso em possibilidades

Caminhos, meios, modos são múltiplos

Leques de aspirações realizáveis abundam

Em água, terra, mar, verde, ar

Neste oceano de potencialidades

Não é de pessoa abridora de latas

Não é de pessoa afortunada

Não é de pessoa bonita

Não é de pessoa doméstica domesticada

Não é de pessoa encantada

Não é de pessoa gostosa

Não é de pessoa guerreira

Não é de pessoa independente

Não é de pessoa majestosa

Não é de pessoa mestra de cozinha

Não é de pessoa doutora em costura

Não é de pessoa midiática

Não é de pessoa passaporte

Não é de pessoa quilombola

Não é de pessoa religiosa

Não é de pessoa revolucionária

Estas estão em todos os lugares

Quem ainda não é,

Outrora já foi,

Um dia será,

Pode vir a ser

Esteja onde estiver

Seja no pico, seja no chão

Numa fração tudo vira pó

Lavra ausências, lacunas, lembranças

Nos vastos campos férteis dos seres

Estou precisando é de muito amor

Repito: Estou precisando é de muito amor

Não é casa no Guarujá e de frente pro mar

Não é cobertura na Avenida Paulista

Não é ganhar sozinho na loteria da virada

Não é morar em mansões no Morumbi

Não é rodar de limusine pela cidade

Não é fazer cruzeiros pela Europa

Não é dar a volta no continente,

Não é embrenhar no útero da África

Não é ser dono da Cohab Cidade Tiradentes

Não é ter São Paulo aos meus pés

Não é um Brasil segundo a minha vontade

Não é ter um shopping Iguatemi só pra mim

Dinheiro abre portas

Suborna submissões

Desenrola tapetes de bajulações

Mas não compra afetividade

Não compra companheiridade

Não compra respeito

Não compra solidariedade

Estou precisando é de muito amor

Repito: Estou precisando é de muito amor

Não é ser capitão

Não é ser deputado

Não é ser general

Não é ser governador

Não é ser prefeito

Não é ser presidente

Não é ser senador

Não é ser vereador

Não é ser mais um Bill Gates

Não é ser outro Obama

Cercado de muros e seguranças

O poder de querer, mesmo inseguro

Mesmo bamboleando na travessia sobre cordas bambas

Vale tanto quanto querer o poder

Perdi tudo o que tinha a perder

Quero agora o que nunca tive

Quero algo que não é mercadoria

Quero algo que não é partido

Quero algo que está a perecer

Quero algo que se compra, mas não se vende

Quero algo em risco de extinção

Estou precisando é de muito amor

Repito: Estou precisando é de muito amor

Vem

Vem comigo

Quem é carente assim como eu

Quem é dependente assim como eu

Quem é discriminado assim como eu

Quem é maltratado assim como eu

Quem é sabotado assim como eu

Quem é violado assim como eu

Quem é violentado assim como eu

Vem

Quem está abandonado assim como eu

Quem não aceita mais esmolas assim como eu

Quem sente o desamor nas entranhas assim como eu

Quem vegeta nas periferias da sociedade assim como eu

Quem vive apartado de afetividade assim como eu

Quem vive anêmico de felicidade assim como eu

Quem não apagou seu farol de esperança assim como eu

Vem

Vamos encher aeroportos

Vamos encher albergues

Vamos encher asilos

Vamos encher avenidas

Vamos encher bibliotecas

Vem

Vamos encher comunidades

Vamos encher cracolândias

Vamos encher escolas

Vamos encher faculdades

Vamos encher favelas

Vem

Vamos encher fronteiras

Vamos encher hospitais

Vamos encher igrejas

Vamos encher manicômios

Vamos encher mesquitas

Vem

Vamos encher condomínios

Vamos encher parques

Vamos encher praças

Vamos encher prisões

Vamos encher quartéis

Vem

Vamos encher rodoviárias

Vamos encher ruas

Vamos encher templos

Vamos encher terminais

Vamos encher terreiros

Vamos sacudir mundos

Encastelados em redomas de vidro

Com câmeras apontadas para as nossas cabeças

Vem

Pinte o rosto

Pinte o corpo

Traga faixas

Empunhe bandeiras

Reúna blocos e batuques

Afoxés e maracatus

Pegue firme nas mãos

Abrace forte quem estiver ao lado

Vem

Abra a boca

Abra o peito

Liberte-se

Queime temores

Rasgue mordaças

Rompa silêncios

Anuais

Milenares

Seculares

Medulares

Dilate e mostre suas veias

Vem

Se for preciso fique nu

Vergonha é quem nos verga

Com assédios, com chicotes

Com fomes, com pelourinhos

Com serrotes, com cassetetes

Com indecentes instrumentos sutis

Para ostentar ferrenhas forças viris

Vem

Sole alto como o toque do tambor

Cante, dance, brade, grite sem temor

Estou precisando é de muito amor

Repito: Estou precisando é de muito amor

Repito: Estou precisando é de muito amor

Repito: Estou precisando é de muito amor

Repita: Estamos precisando é de muito amor

Repita: Estamos precisando é de muito amor

Repita: Estamos precisando é de muito amor

Repita: Estamos precisando é de muito amor

Vem

Oubi Inaê Kibuko, Cohab Cidade Tiradentes para o mundo, 11/10/2019.

Revisionado em janeiro/2022.

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