Enquanto Não Passo
Enquanto não Passo
Ouço o vento que passa ao lado, num zumbido que vem de longe... Lá do começo da vida. Vento que traz lembranças de algo há muito tempo vivido. Traz, um uivo conhecido, vento que vem lambendo os telhados de séculos, arvorando as folhas das árvores e do chão. Ah! Vento, meu companheiro de sempre, ainda bem que você é alegre e amigo. Mas o tempo, esse finge estar conosco, finge ser nosso amiguinho, mas que nos arrasta com ele pelos anos, ele é eterno e não sente nada e nós? Somos consumidos. Olho os vestígios daquele que ja partiu, ele se afligiu tanto pela vida, sofreu e tanto chorou e depois partiu para sempre... Deixando um silêncio... Um vazio e tantas perguntas sem respostas. Olho o lugar onde era guardado os seus pertences, vejo ainda seus calçados, suas roupas, até sua inquietação parece ainda está ali. E para que se inqueitou tanto? Agora ele já não é. Vejo o que desgarrou-se do padrão e caiu às margens de uma hipócrita civilização e essa, passa de largo, fazendo vista grossa ou mesmo, fazendo um gesto de repúdio, aos pobres mortais dos guetos. Quem somos nós? Todos somos partículas de vidas, que vamos passando feito poeira que se desfaz com o tempo. Não bastasse a gente está na fila rumo ao seio da terra, ainda tem os que ceifam vidas antes da hora. E o sangue corre pelas veias do crime e não afogam só os filhos, pois as mães também morrem um pouco com eles. Estamos cobertos de sangue inocentes. Ah! Quantos gritos de dor... Os gemidos do mundo ensurdece o ouvido da terra ao clamor dos excluídos, dos injustiçados, dos famintos, dos que passam frio e fome nas ruas. Eu ouço um emaranhado de vozes sussurradas em prece pelo chão, por onde fora derramado sangue inocente, por onde os mendigos gemem de solidão. Me assusto, e corro para fora, mas ali está tudo calmo, a tarde está nublada, no céu se forma um mormaço, está bonito para chover e o vento brinca com as crianças na rua. Mesmo assim, eu sei que lá longe... Algo atroz acontece. Meu olhar pousa distante envolto em meus pensamentos... Quantos desafios e quantos ais, transpassam a alma de um mundo em desencanto. E nessa marcha em préstito, o meu pensar viaja até àqueles lugares em luar de sertão, luar de saudade. Saudade da infância, dos açudes e igarapés, saudade das brincadeiras... Vida passageira, traz ao menos o cheiro das flores de Laranjeiras, ah! Meu pé de jurema, meu pé de umbu, Meu pé de murta vermelhinhas? As frutinhas doces lá do meu mato... Cadê as redinhas de varandas? As bonecas de pano, com seus cabelos tambem de pano? Que a gente mesmo desfiava, cadê os meus laços de fitas? Cadê os vestidinhos de filó? As casinhas de brinquedos? Nossas vozes meninas, entoando nas brincadeiras: Tutum, quem bate? Sou eu, eu quem? Boca de forno? Forno, remanim, remanim... Eu sei, tudo está guardado na gaveta do tempo. Qualquer hora, vou bagunçar e jogar tudo pro ar. Vou pegar meu laço de fita e vou me enfeitar, vou entrar na roda e cantar. O importante é brincar e viver de bem com a vida. Porque tudo passa e vira poeira no espaço, vira pó e cinza na terra. O que fica, fica construído ou escrito para eternas recordações... De quem também nem fica e assim, vamos todos nós... Passando... Passando... Quem sabe um dia, tudo pare de passar e a quietude absoluta, reine sobre os séculos... Até que surja o pulsar de um novo espírito... Um espírito benigino que dê vida à novas vidas, onde reine somente o amor, a paz, o carinho, a saúde, o regozijo e a alegria, por toda a eternidade
Kainha Brito
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