A saudade indefinida
Entre tantas saudades que sinto
Uma é mais presente que as demais
E vai sempre comigo
Dentro do meu coração
A moldar o meu olhar sobre as coisas
As casas
As pessoas
A seus sonhos vencidos
A tudo que se distanciou de cada uma delas
Espalhando sobre essa cidade
Meu olhar
Que traz um passado que nunca
Nunca vai me deixar...
O que passou é tudo que tenho
E talvez não esteja organizado aqui dentro
Como deveria ser
Está como está
Não poderia ser de outra forma ...
Cada um carrega o que tem
Do jeito que tem dentro de si
Do seu jeito
E eu olho para dentro de mim
E vejo sempre de outra forma
Nunca é do mesmo jeito que já vi antes
Aquilo que se revela dentro de mim
E não poderia ser de outra forma
Tudo que vejo
Se configurando me fazendo olhar para tudo aqui fora
De um jeito conforme o jeito
Que estou por dentro...
Quem disse que a tristeza é ruim
Que o choro é ruim
Que sentir desamparo é ruim?
Que o sorriso sem sentido
Nem lugar
Sem motivo
Só os loucos podem dar?
Às vezes a tristeza é tudo que os olhos podem expressar,
Por que mentir nessa hora?
Eu sou o que sou
E o que sou é o que sente
O que sente saudades
Não de uma infância feliz e cheia de amor
Mas de todas
De todas as que poderiam ter sido
E talvez foram
Pelo menos são agora
E em qualquer hora
Que vejo dentro de mim
Não um luz brilhando intensamente
Mas uma noite
Uma noite densa e sem estrelas
Um dia que nunca amanhece...
É o que vejo agora
É o que mais vejo
E pontinhos luminosos
As vezes surgem
Como estrelas no céu distante
Como são essas saudades
Não de quê
Não sei de quem
Não sei de onde nem quando
Mas que estão nesta cidade
No olhar das pessoas
Que passam indo e vindo
Talvez dê um sonho
De um não
Atrás de um sim
Como o olhar perdido de um cão perdido
Desolado
Abandonado e magro
Passando
Ou num canto
Ou sob a sombra de um ferro velho em desuso
Esquecido de todos
Mas não da fome
Não da sede
De ser amado...
As vezes é tudo que vejo
Um olhar profundamente triste
Carregado de todos os abandonos
Um cão em silêncio
Olhando de dentro de mim
Para fora
Para as ruas
Para os riachos poluídos de águas negras
Dessa cidade
Ah que saudades que tenho...
Que saudades eu vou ter
Que saudades eu sou...