Elegias intersticiais

I

Limite

 

Meu amor,

não me abandones, e fica comigo.

meu sentir me dilacera,

como tu sabes, querida,

o que seria de mim sem você?

Toda minha força está em perceber tua presença ao meu lado,

teu olhar meigo sobre o meu ser,

assim, esse perfume que pões,

esta delgada seda ,

teu jeito de andar pela casa, e de me aceitar, me deixa tranquilo.

Quando me tocas o rosto,

e me estende um olhar

e me recebes em ti,

no teu coração,

e me deixas me aproximar

de tua alma de luz...

Ah o que seria de mim sem você?

 

Eu estaria louco, querida,

eu estaria morto para esta vida,

e os médicos me dariam choques elétricos,

e os policiais me chutariam a cara

e uma dose cavalar de anestésico mental

para me acalma a loucura de não te ter,

 

não me abandones, e fica comigo,

te senta enquanto escrevo, e sinto,

fica comigo quando a dor me devora,

e enxuga minha testa,

e me põe calma a febre de minha alma,

porque o mundo não tem sentido se não te sinto,

se não te tenho em mim

a me observa e fazer um carinho

tão necessário em meu coração dolorido,

 

não me abandone, amor de meu ser,

e fica comigo,

mesmo que eu não te percebas,

mergulhado em abismos terríveis

eu capto o mal que nos rodeia

estamos em pleno fogo,

gritos e medos, e infernos terríveis,

te quede comigo, e segura minha mão,

tu sabes que meus gritos tem muito sentido,

e na loucura que estou

apenas tu me pões para dormir...

 

Fica comigo e não me abandone,

mesmo que eu por mim mesmo ande perdido

mesmo que por mim mesmo não articule palavra,

mesmo que por mim mesmo verta sangue dos olhos

e convulsões da alma,

mesmo que por mim mesmo esteja no meio das trevas...

Me alcança querida neste momento!

e por ti mesma

me amarra em teu olhar

e me traze de volta para ti...

 

 

II

Qualquer destino

 

Já fui jovem também, e já desejei muita coisa, em verdade eu minto. naqueles tempos passados, ali comigo me vejo a palmilhar com machucados abertos, longas tristezas cantando em meu coração, meus amigos eu entendo vocês, essas lutas sem fim em que nos jogamos, como a seguir um coração que não temos, uns olhos assim em que depositamos toda nossa esperança, eu sonhei também, e meu ser absoluto de mim me fez forte, mesmo em estradas acinzentadas, iluminou-me o caminho enquanto eu andava de olhos fechados, já sonhei, já quis com aquela força de olhos chorosos, a impor toda garra na realização de um sonho, estes sonhos que perdem o sentido de repente, e nos deixa sem sentido, entendo vocês, vossas desgraças e vossos erros, e esse sorriso de canto, esse peso que nos embota a alma, com uma afirmação em riste constante sobre nós, um vaticínio que o mundo nos vitupera, mas que não nos derruba, apesar de andarmos de olhares baixos, nós sabemos dentro de nós que nossa força jamais vai se extirpar, é por isso que sento-me entre vós, eu velho e esquecido do mundo, sem parentes amigos ou mulheres que me amem, eu me sento aqui e começo a cantar olhando as estrelas, assim como se não tivesse mais para mim um destino qualquer, e me restasse apenas um universo maior que o que vejo, aqui dentro, a dar sentido a esta canção...

 

 

III

Levante

 

A perturbação nos vem a todo o momento,

nossos amigos caíram com violência demais

suas racharam e seu sangue derramou do balde

ponhamos as mãos na cabeça, evitemos o grito.

Fujamos por enquanto desses escuros atrozes,

nos preparemos em desertos por demais securosos

para que, ao voltar, não nos encham o medo

de combater a esses que nos ameaçam a visão,

que cada um se arme diante de vossos espelhos,

os fracos, ainda, de sua própria imagem fugirão.

 

Mas nós que temos os olhos de fogos ardentes,

cantemos no centro das tribos modernas

afim de que nossa voz divida o mundo

entre infames e justos, que esmagam aqueles,

masuas investidas do que suas vidas

pois com rosas nos lábios vamos sorrindo,

angariando por onde passamos um apoio feliz

desses velhos que nos ensinam o grito do guerreiro

que partiu com a promessa de vir nos preparar

eis que nós clamamos por ti general,

todavia lutamos sangrando com os dentes de fora,

pois nos querem levar o coração que sonha

e nós mesmos nos levantamos nesta luta de agora...

 

 

IV

Palco de luz

 

Fique tranquila,

fique tranquilo,

vencer significa não parar de lutar.

Te percebo como alguém que não quer se entrega

e isso é muito nobre.

Te digo que tua vontade será tão forte

que tudo que tu apenas pensar em querer,

ou em negar,

neste momento mesmo

de teu pensamento

tudo se fará,

ou se apagará.

te digo que isso é paz.

A paz consiste em vencer

a nós mesmos

no nosso terreno mais íntimo

sem a ninguém machucar,

mas é possível que tenhamos,

nesta luta de nos encontrar,

machucado um ou outro pelo caminho,

te digo que isso é normal,

e que isso não te deve preocupar,

isso faz parte da vida,

e mesmo aqueles que por ventura ferimos

foram chamados, assim, para o palco da luz

e estão eles mesmos agora lutando

afim de vencerem a si mesmos

seus medos e seus pesadelos,

como nós agora, talvez eles também se encontrem

num estágio em que

se isolam na noite e lutam sozinhos...

 

 

V

Presença

 

Tu te rebaixas tão baixo

e pensas e diz e age assim como fazes

te desprezando brutalmente

e não me percebes

tu não te percebes

a dar sentido a minha vida

alegre, que exista

alguém como eu,

mas triste também,

que haja gente como eu,

passando o que eu passo,

sofrendo o que sofro,

e até mais,

isso de não ter confiança,

essa coisa tão pungente,

que me esmagou com violência sem par,

isso que vejo em ti acontecendo,

que me corrói como a ninguém

nos faz tão iguais...

E como eu mesmo queria

te fico aqui

sentindo teu hálito

dentro de mim,

eu estou consciente,

me jogo na dor,

e te digo que me veja

andando na vida

porque entendi

que sou como tu

e és como eu

e o sentido desse caminho

é este mesmo

de nos entendermos

na dor e no frio,

nos libertando da jaula

em que nós estamos

erguendo os olhos

lançando um olhar

a quem também chora...

 

 

VI

Percunciência

 

Tu pensas que minto

nisto que falo

ou mesmo não aceitas

que eu sinta o que sinto

achando que a vida é uma ciranda...

Tu boias lá longe

sem poder me alcançar

e faz um desdém

desses sentimentos comuns

que me abrasam o ser

e me dão sentido à vida,

te encontro onde queiras

na estrada do tempo

porque todo mundo desce

até aqui onde estou

e muitos voltam

procuram uma igreja

ou outra fuga qualquer

esquecendo a lição,

essa consciência das coisas

por medo de viver

a vida na fúria

dos sentidos intensos

em que não resistem

sentimentos mesquinhos,

então do que vale

o teu pensamento de agora

se tu mesmo um dia

o desprezará

e verá o quão tolo

e mesmo cruel

tu foste e tem sido

nos teus passos tão duros

a quebrar o meus dedos

e bater nos meus lábios

e ignorar minha sede

com teu coração de pedra tão fria?

Do que vale o teu ser

que me virá um dia

a bater na porta

entendido que estará

humilhado de si

vendo a ti mesmo

em mim

na pungência absoluta

da dor profunda

que não exime ninguém?

Estarei aqui embaixo

e preparo uma cama

e já plantei umas flores

e comprei um xícara

preparei-te um banho

e um verso da bíblia

para que quando tu chegues

me encontre então

a ti esperar como amigo

na vida

e no entendimento,

oh meu querido

das coisas profundas

como mais que irmãos

...

Tu pensas que minto...

 

 

VII

Alheamento i

 

Às vezes eu não quero comer, nem sair, nem ficar, eu quero partir, quero chegar, um abraço talvez, melhor não falar, quem sabe te encostes e me sintas onde estou.

Talvez muito longe lá de onde, no momento muito denso, não te posso ver, e assim tu me entendas, não grites, estou em expansivo encontro, de mim mesmo com meu próprio ser, é que me visitam seres profundos, que não brincam quase nunca com a vida, e mesmo seus sorriso são muito sérios, fui escalado e estou me decidindo aceitar, tu não vês aqui dentro o fogaréu, minha alma teme diante da empresa temerosa, é que meu ser todo precisa de mim, e as facas, muito afiadas, me vieram cortando desde que brotei por aqui. eu converso e indago aos meus grandes guias, e peço coragem e resignação, de me ser no escuro e de dia, mesmo que transite entre inimigos opostos do amor, cheios de ódio, eis que a ti confio estas palavras, e me vês aí a segurar, apoiando, a morta cabeça com a mão...

 

 

VIII

Alheamento ii

 

Podemos fugir, nos esconder, apagar a luz e falar baixinho. Podemos viajar, ir para outra cidade, para outro país, para outro planeta, falar outro idioma e começar mesmo nova vida. Podemos esquecer, termos outros amores, novos inimigos, a luta angustiosa não termina. Podemos bater com a cabeça, perdermos a memória. Podemos ir muito mais longe, ter todos os caracteres alterados, lutarmos com uma personalidade que se nos estabelece, e vai, e volta, e nos comportarmos de tal maneira que as almas delicadas se assustem. Isso é normal. Nós podemos nos ser outra pessoa completamente diferente, assim como é possível, como tenho visto ao longo do caminho, eu sei do que falo, e falo com autoridade. Eu te quero dizer que tu podes desconhecer teus pais, teus amigos, as mulheres que tu amas, e ou ainda aqueles homens que insuflam teus sonhos, e então se encantar com outros homens, outras mulheres, ter outros ídolos, e se encontrar numa tribo distante, ou fugir bem para longe na distância, e no tempo, tu vai sempre estar, assim como eu, não há quem pode mudar isso, contigo mesmo, tal qual eu sempre estou, e sempre estarei comigo mesmo. A fugar é um adiamento, no toque dos lábios, nas águas da sede, aparece-me meu eu, assim como o teu em ti mesmo, em mim mesmo, desse não fugimos, estamos cada um com seu ser num laço eterno, presos para sempre, sem escapatória, num abraço mortal, que nem mesmo a morte separa. Te convido, então, a dividir o teu peso de ti, ter tu mesmo, e a mim mesmo eu me convido, a querer dividir com alguém o peso de me ser eu mesmo, se tu queres, amigo, amiga, me lanço a ti, no teu rumo, te dando a mão, ao teu lançamento em meu sentido, e em ti entrando também, assim como estás, neste momento, aqui dentro, aqui dentro, para sempre, diminuindo a densidade, de mi ser, de ti ser, somos então, todos juntos, um só nós...

 

 

IX

Anotação pessoal

 

Por que você resolveu carregar tudo isso?

Te sentes pesada e cansada e não te livras da areia, te vejo andar patinando, em dificuldade, tu me lanças um olhar de profundo entendimento, e então eu partilho a dor que trazes em ti, e teus segredos em mim também criam densas trevas. Me habilito a caminhar na estrada contigo, mas só um pouco, tu sabes, também tenho meus medos. Não te preocupa, te entendo, quero ser teu amigo, me dá um abraço, selemos com afeto essa eterna amizade, vejamos aqui do que tu pode dispor, isto aqui, por exemplo, não nos serve mais, o deixemos ali na beira da estrada, e caminhemos em frente como quem enterra um amigo, lá adiante se tu quiseres, te deixo olhar pra trás, por isso eu te disse que enterrasse entre as árvores, assim quando olharmos veremos muitas copas viçosas, e isso, essa coisa de não saber o ponto exato, nos livrará desta dor. Nessas águas, que nós lambemos com chamas de nossas sede, podemos deixar outras coisas doídas, façamos barquinhos, e assim nós os vejamos irem-se embora, e virando a curva, não saberemos qual foi seu destino, levantemos os olhos e sigamos em frente, ali naquele jardim podemos jogar outras coisas, quem sabe, isso de amargo, se transmute em belas roseiras, e já mais velhos, possamos até disso sorrir, e com a luz nos alegrar em definitivo, ausentes de medo, e segue assim Minha Doce Amiga, ali um me chama, tenho que retornar, mas não volto, que ninguém anda para trás, mesmo que andemos de costas é pra frente que tudo se vai...

 

X

Leveza

 

Te vou a ti porque te vens a mim.

Mas se não te renovas,

uma ida até ti

já me vale por toda vida,

e mesmo que te veja,

por minha parte,

diferente e nova,

se tu não te impões

a condição de renascimento,

mesmo que te veja eu

sempre nova,

não te posso comunicar,

e assim me és sempre a mesma,

pura e parada no tempo

te tua própria pequenez.

 

Mas se me vens a mim,

todo dia clarear o meu dia,

então sempre te sou,

eu mesmo, aos teus olhos,

como eu sou mesmo a mim,

sempre novo,

e então podemos andar

e sorrir...

 

 

 

XI

Escalada de fogo

 

Te foi dito por entes queridos,

que deviam cuidar de teu ser

e protegerem tua inocência

que tu não conseguirias,

te foi dito de modo atroz

com violência infeliz

por quem estava ao teu lado

nos passos da vida,

que tu nada serias

te foi dito por ícone de tua vida,

por bigodes e barbas

e seios também,

que tu mesmo era uma desgraça

e que não seria ninguém,

te foi dito de modo tal

que se entranhou em teu ser

por aquela voz que te embalava

a esperança, o viver,

que era pífio teu sonho,

te foi dito, eu sei,

coisas tais

que só de lembrar

te tremes o ser

e te invade a amargura, o pesar,

e te pões as mãos na cabeça

e tentas disfarçar

com um sorriso amarelo

a insegurança na alma,

te foi dito muito mais,

e eu sei como é

que isso funciona...

Mas eu te digo,

e presta atenção,

que tu és apenas luz,

eu vejo em ti,

eu penetro o teu ser,

te resgato da dor,

e te conduzo

abraçado comigo

que sou teu amigo

e não te mordo a esperança...

Eu te digo

que, mesmo no escuro,

tu brilhas para mim

e não me deixas sozinho,

tu és companheiro

eu vejo em teus olhos

a vontade de confiar

e eis-me aqui...

Eu sou teu amigo

Te digo que tu

é mais que isso

e podes te levantar

e cantar junto comigo

a esses seres perdidos

que imputam em nós

suas desvontades, seus traumas

com o afinco de quem

pede socorro...

Canta comigo

a uma só voz.

Eu quero que tu cantes comigo,

eu preciso que tu cantes comigo

tu és só Luz Divina,

me iluminas o Ser,

Te digo, agora, com minha voz Poderosa.

 

 

XII

Satisfação

 

Estou aqui, e venho ficar contigo,

sou teu guia, e teu amigo,

e te sustendo quando o desespero te derruba,

fica tranquilo.

eu estou aqui, e te sigo, nunca te deixo,

mesmo que não me vejas,

ou sintas,

mesmo quando te encontras na densidade da floresta,

a se esconder e fugir de seus monstros.

Sou que te falo,

como um pensamento,

que te vás superar,

te acalma e ouça minha voz,

a falar contigo, leve, para não te assustar

como minha presença inexorável.

Eu sou teu amigo,

eu te conheço, e sei teus segredos,

sei dos teus limites,

aqueles que tu te imputaste,

sei tudo de ti,

somos velhos conhecidos de longo curso...

Eu não te jugo, eu te protejo,

eu te exponho à luta necessária,

que tu tanto adias,

e acinzenta teus dias...

Não te tenho pena,

eu te respeito,

e mesmo que te lamente,

eu fico contigo

por horas a fio no tormento da noite.

Não te condenes,

não ouses isso,

não te poderei ajudar

se te entregas de vez, sem luta.

Eu sei as causas,

eu sei os motivos,

eu sei as consequências,

isso tudo que tu sabes,

eu também sei...

Então relaxa,

a carga está dividida,

e eu carrego contigo,

e se tu perseverar e chegar ao final,

assim leve, e digno,

teremos então dado um passo,

e por mínimo que seja,

no sentido da frente,

por isso mesmo,

eu verei teu sorriso,

tu verás minha face.

 

 

XIII

Trinta e seis Rosas

 

Acabei de perder trinta e seis quilos,

e já chego, à porta da grande prisão,

a findar minha pena de trinta e seis anos,

e noto lá fora a cantar trinta e seis vozes

como a me fazer ter trinta e seis júbilos

de me encontrar num espelho sem prata.

Horas e dias de agonias nesses trintas e seis labirintos

em que me surgiam,

a cada curva, trinta e seis enigmas

propostos por cada cabeça das trinta e seis bocas

com trinta e seis dentes em meu coração,

as trinta e seis ameaças

eu me sinto alegre de ter acabado de nascer,

sim, por que eu passei por trinta e seis ventres,

e me livrei também, eu posso dizer,

de trinta e seis emboscadas

daquela em que me surgiu,

distribuída, ao longo das selas,

em trinta e seis faces

mas me decifrei a mim mesmo, enfim.

E depois de trinta e seis lutas renhidas, de morte,

eu não busco armar uma rede,

eu procuro os inexoráveis arcanjos de fogo

os invocando do alto onde estão,

e lhes abro meu peito em brasa

e lhes imploro, inclinando meu rosto a seus pés,

por trinta e seis dias seguidos,

que me confiem trinta e seis tarefas,

ao que sou atendido assinando as promessas,

me achego e pego solerte as minhas facas da luta,

caminho com elas em punho e vigor,

mas poucos passos são dados, lhe vejo brilhar uma luz,

e então elas perdem o corte,

e caem vivas, fincadas no chão,

a se transformarem, sob minha visão,

em trinta e seis rosas,

cujos aromas em trinta e seis ventos libero...

 

19.01.13

Sebastião Alves da Silva
Enviado por Sebastião Alves da Silva em 03/01/2024
Reeditado em 03/01/2024
Código do texto: T7968141
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