Esfinge
A vida me fez torta --
Torta e remota;
E me olhando agora,
De dentro eu não sei
Se vejo o que há de fora!
Embora esta vida sopre como o vento,
Fuja como o tempo, pesca e me desvira;
Embora este eu ora desentorte
Ora estique ao norte,
Ora ele delira;
Eu não sei, só sei...
A vida ignora!
Anda desistente,
Chora persistente;
E olhando o meu rosto
Eu já não sinto o gosto
De uma só outrora!
Navega na areia,
Atola em uma praça
E ali, cheia de graça
Me aponta e chantageia:
"Se quer se afogar,
Não deixo afundar;
Se quer se entender
O verbo é enlouquecer;
Nunca deixará,
Nunca cantará
Por mais, por mais que eu!
Seu rastro é todo meu!"
É vida e me fez diva --
Diva de si mesma
E consequente lesma,
Lesma do saber!
Deságua em minha riva,
Me abraça de sagaz,
Me faz e me desfaz --
Me tem em seu poder!
E, sentada ainda fora
Eu tento me rever
Me pego a me entreter
"Decifra ou me devora!"
Não sei ainda não
Quem sou, mas vejo um vão
Que a vida tanto tinge
Rosnando feito esfinge!
Brinca comigo, amiga!
É que não tem fadiga!
Me banhe com sua sorte
Que encontrando a morte
Me atrevo no ensejo
A perguntar num beijo
'Quem sou, que me fez a vida?'
E ela me responde: A vida te fez torta,
Agora feche a porta!
Não quero, não espero
Que um dia eu vá saber
O que é me entender
O que é decifrar!
O que há de mim?
Por que me fez assim?
A vida eu só vivendo irá me revelar.