A dilaceração de todos os amores...
"Ossos africanos observam o mundo"
O poeta
Senhora, o silêncio tem um valor que apenas poucos o sabem, e suas sinfonias são eternas e contínuas, o silêncio, senhora, é a união de todas as falas, de todos os ruídos, de todos os choros, de todas as pancadas, de todos os beijos, de todos os toque-toques, de todos os gritos, de todos os chamados, de todos os silêncios, de todas as explosões, de todos os suspiros de morte, de todas as implosões estelares, de todos os acenos de adeus, da corredeira de todas as lágrimas, de todos os velórios, da dilaceração de todos os amores, de todos os gritos gerados por todas as dores físicas ou metafísicas, do som de todos os metais entrando na carne humana, senhora, o silêncio é um par de olhos murchos, é a unificação de todos os momentos, o sepultamento de todos os sonhos, a união de todas as trevas, a luminosidade junta de todas as estrelas, o silêncio senhora, é um monstro voraz que não dorme, e que feliz sempre devora o nosso coração que sempre se refaz, é um olhar que abarca todos os mundos, é um olhar alçado ao infinito a cair no cerne do euprofundo, o silêncio senhora, é um espanto, e principalmente o enraizamento do que somos na rota de nossas artérias, raízes etéreas que encapsulam as nossas células, a prisão sem muros, o caminho sem rumo, o beco sem saída, a vida sem vida, o vazio da cadeira de quem se espera, o silêncio é pesado, tem matéria, e é humana senhora, é humana e cheia de miséria, o silêncio tem cor, preta, branca, amarela, vermelha, azul, canela, e é humana senhora, é humana, o silêncio é um olhar sobre a miséria, é ver que democracia é quimera, que no berço do mundo, da Mãe negra, não se tem tempo nem condições para se pensar no silêncio, senhora, a mãe negra não tem carne, não tem internet, apenas ossos senhora, e são ainda humanos, são humanos aqueles bichos esquecidos, por abutre perseguidos, crianças idosas, mortas há muito tempo, mas com um olhar vindo das profundezas, a olhos acanaveados, te mostrando uma imagem embaçada nas pupilas quase dilatadas, de algo que parece Humano senhora, parece humano, e se você olhar com atenção vai ver lá dentro os revolvimentos de órgãos a alimentar células, células devorando células em silêncio meticuloso, estrondoso, formando abismos de vazios enquanto o ser de olhar funeral ainda conserva como um espelho seus olhos abertos, senhora, mas não que seja para ver você, senhora, seu olhar vai além de todo mundo material, é para que veja, como num microscópio, lá nas pupilas decaídas, a imagem de um ser refletido, que parece humano, senhora, que parece humano...