Ode à chuva
A água, que da Terra é o sangue,
flui por todo filete de chão e céu.
Ela em todo canto espreitou
e não há mistério que lhe escape.
Por todo ser vivente transcorreu,
e viu os íntimos de seus segredos.
Alimentou a todos
e vivificou toda ideia.
Estava lá quando a forma
à comum matéria caiu.
Viu a fúria com que deu
o homem o primeiro fôlego.
Conhece os mistérios profundos:
sempre escorrendo, nunca acaba.
Na chuva canta-nos
que a vida é sempre nova,
evoca na terra o sentimento úmido
das cantigas de árvores e grutas,
revela o segredo do hino
que proclamam os trovões.
Lembra ao mundo da ordem
maior que nos não obedece,
que a tempestade chega inevitável,
que é invencível a sua vontade.
Nos córregos da chuva
correm a poeira de castelos,
escombros de impérios,
resquícios de todos os homens.
Ela é uma centelha de eternidade,
caindo sobre nós por seu querer,
redimindo-nos, que seja,
ou destruindo-nos de todo:
ora calma garoa na alvorada,
ora fera tempestade na madrugada.
Estas águas que vertem nossos corpos,
e nossos rostos molha,
que nos lavam desde cima,
são mais antigas que o mundo.