A Fonte

Dos lagos sempre andantes

quis os filetes que rumam

para sempre mais longe da fonte,

entronada, altiva, na montanha.

Busquei a beira dos lagos,

rolei em córregos finos;

ali brinquei e rugi;

no verão dancei ao ar,

cantei a toda estrela.

Coletei pedras para empilhá-las,

mas a correnteza sempre as levava.

Do mar, além, não soube muito,

só o vi duas vezes efêmeras,

admirei-o estupefato, e o amei;

mas sua ressaca era forte,

mão que me levava ao profundo.

O mar é algo para ser recordado,

das poucas vezes em que nele esteve.

Pulei, ainda, em açudes, tibornas e poças,

e neles provei águas doces e suaves,

amargas e salgadas, quentes e frias,

e de cada conheci a beleza e o cinismo.

Mas ocorreu-me seguir reverso,

e ver de onde vinha a correnteza.

Levou-me à montanha

o fluxo invertido:

subi sua crosta úmida,

labutei em suas grutas pontiagudas,

senti a brisa alta,

e admirei a vista infinda.

Por fim cheguei à fonte.

Ali, então, me quietei.

Seu cheiro era dos açudes e lagoas,

seu fluxo era mais contínuo

do que o de qualquer rio,

e voltava a si mesmo,

do início, sem fim.

Nela havia lodo de tibornas

e água límpida de cavernas,

e sua realeza era a dos oceanos.

A fonte falou de coisas esquecidas,

histórias de muitas eras atrás,

o drama de cada rio e mar,

e falou de cada um a sua parte.

Lembrou-se resplandecente

de quando os primeiros rios pariu,

também lagos e mares, e quanto os amou,

e quanto ama na mesma medida

os que ora nascem.

Ela sentava, altiva, numa encosta,

ao fim de uma tarde serena,

e dali reconhecia o mundo inteiro:

à cada dando a devida entonação

me contava a história de cada um de seus filhos.

Seu rosto era profundo como os oceanos,

mas também simples com um lago entre folhas verdes,

era, ainda, sensível como o orvalho,

viva como os rios, terrível como nuvens

que obscurecem o firmamento;

era capaz de revolver sob seus pés

os mares do mundo inteiro

e de todas as eras de uma vez,

mas se enchia de alegria

ao falar sobre finos córregos

que dançam alegres

debaixo de árvores úmidas e duras,

escuras e taciturnas.

Falou-me muitas coisas,

e de todos os seus filhos contava a história completa,

e os amava mais que tudo.

Enilson Ferreira
Enviado por Enilson Ferreira em 07/10/2023
Código do texto: T7903478
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