CONTEMPLANDO A LUA
(ao som de ndamba*)
Aquela nesga de luar que ora vejam ali
É a mesma de antes com seu vigiar vesgo
(não perdeu ainda o hábito que tinha)
Ela mantém-se tímida enquanto zelosa
Quando deste modo põe-se a prumo
Para que lhe palpite o coração trovejante
Em pulsão exacta com a maré enchente
Aquela nesga de luar que vejam ali
É a mesma que vejo em sentido peculiar —
E a despeito da neblina no vasto entorno
Ela revela múltiplos encantos e algo mais
Algo tão singular quanto o efémero
Que bem se oculta nos mistérios dalém
— Por mais mundano que seja —
E no demais, é cheiro da mesma lua
Que a brisa leva ao mar e traz consigo
Em busca de enlevo e um suspiro de alívio
Qual pássaro pousado após milhas voadas
Lá da campina baixa diante silvas lassas
Na esperança dum anelo mais inspirado
Entre o nascer do sol e a lilás flor
No enquanto, sim, abasta no enquanto
A bença de Kalongolo* e um trago de kisungu*
Para que, sob a nesga de luar que vejam ali
Embaciada por nuvens de antemanhã
Se crie uma cantiga nativa como esta
Suave e certa – cuja seiva as raízes obtêm
Do solo deveras fundo e fecundo —
A muito custo, mas com todo gosto!
Ndamba: instrumento músico feito de haste de palmeira.
Kisungu: aguardente local.
O poema foi originalmente escrito em Kimbundu (Angola).
Tradução do autor.