O Banquete da Agonia
Em meu peito, a podridão floresce,
Não há sol que aqueça a vida que me resta.
A carne, lenta, se desfaz e apodrece,
Sou o banquete, e a morte a minha festa.
A alma, infectada pela sina vil,
Vaga por este corpo em ruínas,
Onde o sopro de existir é febril,
E a doença, astuta, caminha em minhas sinas.
Oh, verme! Que de mim te alimentas,
Não sou mais do que a tua ração!
Cada dor que em minha carne inventas
É a prova viva da minha condição.
No silêncio denso que me invade,
Há um grito sepulcral sem voz,
O eco do que um dia foi vontade
Perdido no abismo entre nós.
Sim, a doença me devora sem clemência,
E eu, mísero, aceito a sua fome.
Ela corrói minha última essência,
Enquanto apaga, lentamente, meu nome.
Sou o espectro de um corpo decadente,
Um fardo que o mundo rejeitou.
A doença que em mim se faz presente
É o reflexo de tudo o que sou.
A carne arde em febre indizível,
Os ossos rangem ao peso da dor,
A mente, outrora invencível,
Rende-se ao império do torpor.
Cada célula é um cântico sombrio,
Um hino à morte que me habita,
O corpo é o altar do sacrifício frio,
Onde a vida, impassível, hesita.
Oh, que inferno íntimo e sagrado,
Onde a alma se curva ao mal irremediável!
O tempo, esse carrasco desalmado,
Faz de minha existência um fardo insustentável.
No âmago, há um vazio que tudo consome,
Um eco oco, pulsante e corrosivo,
A doença não tem mais nome,
Mas é em cada célula que eu ainda vivo.
Eu sou o cadáver antes da cova,
O suor fétido da própria desgraça.
Cada suspiro é uma morte nova,
Cada olhar no espelho é quem me ultrapassa.
Vejo em meu rosto a marca da decomposição,
A vida se esvai sem pressa ou sentido.
Aceito o destino, sem súplica ou oração,
Pois até o sofrimento me deixa esquecido.
Sou o banquete dos vermes que nunca dormem,
A lenta dança de quem já morreu.
Nos olhos, há sombras que se contorcem,
E no peito, o inferno de quem sou eu.
Oh, tu que me olhas com desprezo ou pena,
Não vês que a doença sou eu mesmo,
Que cada fibra de mim, vil, envenena,
Até que reste somente um abismo a esmo.
A carne apodrece, e a alma, corrompida,
Abraça o fim que já se faz destino,
Pois viver é estar à beira da partida,
E morrer é libertar-se do divino.
Aceito, enfim, a doença e o seu beijo,
O abraço mortal que há muito me chama.
O fim não é dor, é puro desejo,
E no silêncio eterno, a alma se inflama.
Sou eu a própria enfermidade,
O corpo que a vida abandonou.
Na morte, encontro minha liberdade,
No abismo, o repouso que me buscou.
Agora, sou nada, sou pó, sou vento,
A existência dissolvida em sua última dor,
E no banquete do sofrimento,
Aceito ser o prato principal do horror.