Depois do velório
Ontem participei de um doloroso velório, em memória da minha avó de 99 anos. Permita-me compartilhar...
Antes do velório, uma angústia paira no ar. Todos narram a partida, os últimos momentos. O passado, o presente e o futuro entrelaçados.
Antes de chegar ao local, enfrentamos o perigo da dor. Tudo isso para vivenciar o momento presente, que dará lugar ao amanhã.
Seria sensato tecer um relato sobre sua vida, descrevendo como ela era. Mais de sete filhos estavam presentes, testemunhando o corpo cansado pelos sofrimentos hospitalares. Vestida de branco, rodeada pelo coral de filhas enlutadas.
Eu observei tudo em silêncio, como filho de um filho. Um neto entre tantos outros. Presenciei os cânticos de louvor que ecoavam além do rio azul. Ouvi as melodias da harpa e o sermão final de Enoque. Testemunhei tantas coisas, percorri os arredores. Voltei no tempo e retornei ao meu depois.
O depois que se segue quando o velório termina. A vida continua, uma sensação estranha envolve a todos. O naturalismo de Cícero, o coveiro que a colocou em seu lugar de descanso eterno. A filha que cuidava dela inconsolável, observando a colocação do último tijolo. É saber do depois, após o término do velório.
Seguimos em nossa caminhada triste, sabendo que entre tantos filhos, netos e bisnetos, alguns chorarão a perda da matriarca por muitos dias. Sentirão, em forma de sonho, o impacto daquele rosto enrugado. Daquele corpo tão bem preservado, o corpo de 99 anos da minha avó.
Durante o ato, vi lágrimas. Eu não chorei, apenas meus olhos se encheram de lágrimas. Mas nenhuma delas escorreu. Eu tinha esperança de que não fosse real. Meu coração se consolava, pois ela estaria sempre ali, na casa da vovó.
Mas não há mais o depois que o velório acaba. A vida continua. Alguém dobrará suas roupas e guardará suas coisas em caixas. Outros seguirão seus caminhos, enquanto alguns permanecerão. É algo natural. Com meus 40 anos de idade, eu deveria ter aprendido isso, mas em minha mente sempre serei o neto que vendia geladinho para a vovó, aquele que ia à Escola Dominical com ela.
Minha avó conheceu minha filha, sua bisneta, em um momento diferente. Ela é a avó do antes deste agora e do depois.
O mundo parece vazio ao perceber que, depois que o velório acaba, o planeta Terra continua girando.
O ciclo da Vovó Nair... Não sei o que dizer, nem tenho palavras para concluir.
Viva em meu coração, vovó...