Poema – O Dúplice
Poema – O Dúplice
Um suicida
caminhou até as margens de um rio de espinhos
e sobre ele derramou o sangue
dos seus próprios punhos
O seu sangue,
fundiu-se com a correnteza
E um terrível odor
de enxofre e desespero
ecoou por todo o vale.
Diante dos seus olhos,
anunciavam-se os sonhos de cristo
e os desejos do diabo
Como nas canções que
transcendem o tempo
de uma aurora distante
Das margens daquele rio
aonde o enxofre e o sangue
fundiam-se com as dores
que carregava em seu peito
Nascia uma criatura terrível
como nos antigos contos poloneses
Um dúplice,
com a exata mesma aparência
do jovem suicida havia despertado.
A Criatura então o indagou,
Gritando em seus ouvidos surdos;
- Como podes matar a si mesmo
sem antes conhecer
o amor que a vida te prometestes?
Inesperadamente
o suicida sorri
derramando lágrimas pelos seus olhos...
- Durante toda a minha vida
sentia-me desprezado
pelo mundo
E como um rato com pragas
por todo o meu corpo
afugentei-me na mais terrível escuridão
Por muitos anos sobrevivi
em um lugar escuro
aonde as baratas temiam os meus sonhos
E a minha voz
tornava-se escrava de uma timidez
que me matava todas as manhãs
Durante anos tentei lutar
contra estas feridas
Blasfemei contra todos os deuses
servi ao diabo
porque vi em seus olhos tristes
a mesma injustiça que praguejaram contra mim
Por que eu não conseguia
ser feliz como todos os outros?
Por que eu era obrigado
a me esconder na escuridão?
Enquanto os porcos grunhiam
na luz sagrada de um falso deus
Ansiedades e vertigens
fundiam-se com a minha depressão
tornando-me um escravo
Dos meus próprios sonhos
dos meus próprios medos
Afundei os meus pensamentos
em livros que não me diziam nada
Compartilhei a solidão
com os meus desejos suicidas
Assisti a todos que eu amava
chorando sobre o meu túmulo vazio
enquanto eu sorria e gritava ao seu lado
Mas ninguém poderia me ouvir
pois eu já estava morto
em seus corações...
Chorei (...)
como nenhuma outra alma
nesse mundo havia chorado
- Agora diga-me Dúplice
negarias a mim
a cura para a minha maldição?
A criatura enxugou suas lágrimas
e sem perceber que havia salvo a si mesmo
afogou as suas dores
nas margens daquele rio...
- Gerson De Rodrigues