Constante emputecimento
Às vezes me questiono nesse meu sulfuroso peito estragado
Se depois de anos tentando assassinar a poesia
Enfim, não assassinei a minha esperança.
Talvez eu seja um poeta desgastado
Que cansou de viver nas ilusões da fantasia
E abandonou o seu “eu criança”
Quando ando pelas ruas eu me sinto tão mal
Não consigo olhar a beleza do céu, das flores e das coisas
Com tanta criança explorada pedindo dinheiro no sinal
Queria ser irracional e não conseguir entender
Que há incoerências demais nesse nosso viver
Queria ser alienado o suficiente
Para virar o rosto para essa realidade decadente
Me sinto só o pó e não é o tang
Não tem suquinho que adoce essa realidade manchada de sangue
Onde é naturalizado o ódio, a barbárie e o abuso de poder
Onde é naturalizado a retirada de direitos de quem luta para sobreviver
Onde o trabalhador explorado de direita defende a ordem capitalista
Onde a direita encontra palco perfeito pra ser extremista
É difícil não perder a esperança e ser um poeta niilista
Há três doses de derrota para cada colher de conquista
E sigo fingindo que estou muito bem
Pronto para ir ao infinito e sempre além
Enquanto eu sei que a cada segundo morre alguém
Que é vítima de negligência do Estado e muito desdém
Misturo minha angústia com a minha revolta
O mal que me transfigura jamais me solta
Eu busco respostas olhando em volta
Mesmo tendo entidades comigo fazendo escolta
Eu olho pros céus tentando entender
Olho para trás na encruzilhada e grito laroyê
E há sempre alguém para me dar um abraço
Mas, não me acalento desse eterno cansaço
Me sinto exausto a todo momento
Nem adianta apelar para o entorpecimento
Eu tento me atirar no esquecimento
Mas, não há ouvidos para o meu lamento
Vivo num estágio de constante emputecimento
Nas veias abertas da américa latina nada estanca o sangramento
E ainda dizem: Gabriel, sorria. Cadê sua alegria?
Eu vou sorrir, desgraçado, nessa eterna Hemorragia?
Olha em volta como tudo está errado
É racismo aberto, bem escancarado
É feminicídio e reprodução do patriarcado
É indígena sendo constantemente ameaçado
É crise climática, guerras geopolíticas
Seres humanos sendo apenas meras estatísticas
Me sinto definhando, sofro com essa disritmia
Ainda não nos recuperamos dos danos causados pela pandemia
Surto de ansiedade, pânico, depressão
É tanto problema mental que não cabe nessa exposição
E é melhor eu não reclamar não
Na sociedade do cansaço só é grande quem está em constante produção.