Quase um Objeto

Na espreita do móvel,

Aquela sombra opaca,

Parece um ser imóvel,

Expressão congelada.

Cada sentido espeta,

Cacto de cacos fendidos,

Na angústia da espera,

Poço de medo consumido.

Acumulando desigualdades,

Formas de proporção oblíquas,

Cortina travestindo entidades,

Balançar de esquecidas relíquias.

Caráter de rocha maleável,

Como um magma moral,

Escorrendo em tom detestável,

Vulcanizando o dorso espacial.

Tantas vidraças espelham o mundo,

Particularizando a paisagem,

Num panóptico que vigia o absurdo,

Calculando através da densidade.

Planetas aglutinados,

Nesse universo íntimo,

Mal iluminados,

Satélites de um Sísifo.

O mistério atrai desejos,

Insinuando-se pelas beiradas,

Saltando como coelhos,

Fugindo da Alice degenerada.

Toco a toca vazia,

Apalpando esse nada,

Maestro que agoniza,

Orquestrando essa vala.

Muitos mortos vivem,

Atrás de olhos apáticos,

Alguns logo desistem,

São caminhantes pasmos.

Objetivo os objetos,

Que afrontam a estante,

Com seu ar abjeto,

Existências constantes.

Com o instante aprendemos,

A martelar a vida inteira,

Temos o mais como menos,

E o orgulho na algibeira.

Sopesamos os afetos,

Na arquibancada de lixo,

Reciclando dejetos,

Na esperança de livros.

Porto-me como portas,

Abrindo e fechando falas,

Num eco de fracas molas,

Rodopiando em migalhas.

Calçamos as calças curtas,

Deixando aparecer as costas,

Como são retas as curvas,

Pontuando anatomias postas.

Quebramos o espelho,

Mas os fragmentos nos olham,

Estrangulamos o travesseiro,

Enquanto os ponteiros desdobram.

Relogiamos o tempo,

Pausando nos sonos,

Espancando o vento,

Quase nos ignoramos.

Abrimos os portais,

Entrando e saindo,

Destino de mortais,

Viver em conflito.

Lesmas escorridas,

Sugadas pela gravidade,

Lentas destemidas,

Com rastro de curiosidade.

Ocupamos a posição no tabuleiro,

Existem mais de duas cores,

Trapaceamos pelos bueiros,

Rastejando na sarjeta dos dissabores.

Essa caneta sem tinta,

Escreve a sua anulação,

Perfurando a retina,

Acreditando em duração.

Quantos palmos de serra,

Afogarão as lágrimas,

Na seara de faces desertas,

Consubstanciando páginas.

Lemos a catarata,

Esbranquiçando a lente,

Que foca a desgraça,

Faz o fotógrafo ausente.

Sombras dão vida á luz,

Numa dança de contrastes,

Onde a flama é um capuz,

Causando impressão grave.

Traves atravessam o cérebro,

Estacas grosseiras e afiadas,

Firmes como um decreto,

Buscando leis que são aliadas.

Lecionamos o parto das fontes,

Numa História de poucas margens,

Rabiscos que lhe consomem,

Desamassar de banais mensagens.

A lucidez é mais uma insensatez,

Por isso me afetam as coisas,

Nomináveis por racional embriaguez,

Ignorando o dilema das lousas.

Ainda que possamos calcular,

Decifrando improváveis saudades,

Jamais saberemos nosso lugar,

Nesse antiquário de excentricidades.

Mover é lidar com o hiato,

Aberto perante o espanto,

Que abre a boca no lapso,

Engasgando pelos cantos.

Sorrisos soluçam risadas,

Espalmando as paredes,

Lagartixas pisadas,

Regenerando várias vezes.

Suicídio de platéia inanimada,

Vidrada em vitrine de córneas,

Estendida em varal de cilada,

Na corda bamba das cócegas.

Levantamos do chão de mármore,

Como estátuas sonâmbulas,

Arquiteturando a catástrofe,

Feito criaturas dançando a ciranda.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 28/12/2014
Código do texto: T5083199
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