Trans Bordar
Transbordo nas bordas desse rio,
Navegando em caravela rota,
Enxergando o Leviatã no abismo,
Engolido por uma centrípeta força.
Cosendo uma trama de gritos,
Congelando mandíbulas,
Contornando toscos gemidos,
Como se receitasse bulas.
Os dentes atravessados,
Mordendo a própria carne,
Que na mastigação, despedaçados,
São engolidos como hóstias de padre.
Em uma colonização de débeis,
Com olhos postos sobre a agonia,
Lançando no hiato pessoas-projéteis,
No orgasmo de uma proletária euforia.
Desmembrando o corpo de suas máscaras,
Esquartejando as arraigadas mentiras,
Num zumbido rouco de mórbidas cigarras,
Explodindo os tímpanos de cabeças doentias.
Afogados no sangue do próprio engasgo,
Sufocados pela alma que não mais anima,
Na representação de um consumido cigarro,
Queimando a brasa até reduzir tudo a cinzas.
No fluir de derretidos gelos,
O deslizar da última morte,
Desvela os finais segredos,
Deixando-nos a própria sorte.
Pequenos malditos seres,
Que habitam as luzes terrenas,
Como sombras de deuses,
Atormentados por seus dilemas.
Derrotados fiéis que se curvam,
Ajoelhados sobre seus prazeres,
Como pecadores que se desnudam,
Com poucos direitos e muitos deveres.
A dor purifica a empáfia,
Na agulha que penetra os poros,
Matando a religiosa máfia,
Que tortura justificando amor ao próximo.
Fazendo com que cada ponto,
Seja uma estaca martirizada,
Criando uma lógica de santos,
Que esmaga a massa catequizada.
Embora o olho do furacão,
Continue a se movimentar,
Dilacerando a canônica lição,
Deixando a vida se reinventar.
Com as Parcas prendadas,
Tecendo de forma rápida,
As existências amarradas,
Que sonham estar acordadas.