Cachorro Vira-Lata
Vai pensar,
Que sou louco.
Já sei divagar,
Pelo menos um pouco.
As ruas são minhas,
Por elas eu mijo,
Demarco com urina,
Sou muito bom nisso.
O olfato apurado,
Me faz sentir o aroma,
Da podridão dos delicados,
Vivendo nessa triste redoma.
Bato o focinho no vidro,
Andando em círculos,
Vadio preso no cilindro,
Abafando os seus ganidos.
A língua alcança o saco,
Mas esse oral é tão sem sal,
Para os transeuntes é asco,
Mas não passa de gesto banal.
Caminhar de quatro,
Que superioridade é essa,
De ser bípede nos passos,
Sou mais veloz, tenho pressa.
Mostro os dentes,
Caninos afiados,
Pareço até gente,
Quando estou chateado.
Abano o rabo,
Porque o rabo não,
O corpo pesado,
Lógica de um mundo cão.
Esguichando muros,
Levanto as pernas,
Não sou tão robusto,
Mas me garanto nas vielas.
Adoro essas sobras
De qualquer coisa,
Reviro o lixo das portas,
Roer osso me dá força.
Arrepio o pelo,
Olhando fixo o alvo,
Cotó, nunca fui mesmo,
Latindo com eco e bem alto.
Coçar pulgas é um esporte,
Carrapatos me mordem o dorso,
Esfrego-me para aliviar nos postes,
Uivando pra lua, me fazendo de lobo.
Deixo as pegadas na terra,
Patas que cavam e enterram,
Cheirando rabos de cadelas,
Deixando ninhadas que me encerram.
Ferozmente espanto os carros,
Pedradas que desvio,
Minha pousada é qualquer espaço,
Sou meu próprio dono, assim me viro.
Carícias de mãos que apedrejam,
Não me enganam nunca mais,
Crianças que brincam e beijam,
Crescem e nos batem como seus pais.
Viro latas por diversão,
Abocanhando algum alimento,
Despejando o lixo pelo chão,
Ouvindo, “sai pra lá pulguento”.
Não desfilo com madame,
Sem pedigree para valorizar,
Vira-Lata é meu nome,
É a rua o meu verdadeiro lar.