Cadáver

Aqui jaz um cadáver,

Caminhante morto-vivo,

Sujeito de pouco caráter,

Expõe o pútrido com um “eu não ligo”.

Olha aqueles outros cadavéricos,

Contemplando a moral diluída,

O odor faz da via um necrotério,

Um trânsito de pouca vida.

Uma mão que sai de uma parede,

Apenas o pedaço de um braço,

Recortando em mutilações que obteve,

Decepando porções do mórbido espaço.

É pulga que velozmente agita,

Fazendo coçar a consciência alheia,

Às vezes é carrapato que suga hemoglobina,

Num vampirismo de sede burguesa.

Na ausência de deus é sua própria Machina,

Produzindo corpos podres e insepultos,

Fertilizando um campo de almas penadas,

Usando as moradias como abertos sepulcros.

Toca as flores que ainda resistem ao chorume,

Que escorre dos habitantes podres em vida,

Que derramam sua flacidez que não serve de estrume,

Tornando o solo infértil para outra serventia.

Não acordam com o cantar dos galos,

Mas com os pios das corujas atentas,

Corvos crocitam sem intervalo,

Cães brigam disputando a carne purulenta.

Olhos fundos de olheiras trevosas,

Um convite ao poço do desespero,

Infestando como prole cancerosa,

Fazendo do dia um velório sem enterro.

O que fazer quando o bebê chora,

Mas o seio seco ignora?

As vozes são um coral de agonia que assola,

O mundo parece indiferente a espécie que estiola.

Os espelhos foram quebrados,

O reflexo do moribundo é rejeitado,

O brilho do olhar é um convite aos condenados,

Por isso andam fitando o solo, cabisbaixos.

Seu pasto é o que restou de outros mortos,

Alimentando-se da miséria alheia,

Reciclando os dejetos dos seus malfadados sócios,

Permuta canibal que a fome banqueteia.

Ratos roubam frações,

Podem roer a carne ainda em uso,

A fé é de múltiplas refeições,

Já que todo morto no pomar da tragédia, é fruto.