Eu Comigo

Olho no espelho,

Eu estou lá,

Talvez algo no meio,

Por onde o outro andará?

Corro e a sombra persegue,

Espreitando cada passo vacilante,

Não há labirinto que a disperse,

Um demônio incansável, caminhante.

Fala de mim por voz alheia,

Dizem meu próprio nome,

Não me reconheço dessa maneira,

Se isso for um sonho, desejo ser insone.

Esse corpo é referência,

Mas estou além dele,

Carnes e vísceras nojentas,

Tento me despir da pele diversas vezes.

Os olhos fitam a face cotidiana,

Que pesadelo contemplar a si,

É terrível a realidade mundana,

Para onde vou ele vai me seguir.

Tento disfarçar sendo de outra forma,

Mas transmuta-se junto,

Camaleante ciclo que não me conforma,

Um duplo em tudo.

Os gestos são seguidos de restas,

Cópias de cada ato feito,

Matizes de uma fiel quimera,

Dormindo todas as noites em meu leito.

Povoa meu cérebro,

Insinuando-se com malícia,

Faz de mim um objeto,

Um maldito e indigesto parasita.

O beijo que dou,

Tem a contribuição desse indesejável,

Como saber quem sou,

Já que vivo nessa condição alienável?

Devoro este sujeito oculto,

Mas é regurgitado pelos poros,

Resiste por ser profundo,

Querendo fazer-se de próprio.

Também é dependente,

É tão escravo quanto eu,

Somos dois delinqüentes,

Que desejam fugir do que lhes prendeu.

Já escuto a canção,

Esse lamento patético,

Parece fatídica missão,

Vivermos num elo.

Com bote tenta me picar,

Também sou serpente,

Vamos lutando até enrolar,

Caduceu incipiente.

Quem é você maldito ser?

Faz a mim o mesmo questionamento,

Iremos logo enlouquecer,

Intrusos de similar comportamento.

Raciocínios dicotômicos,

Rivalizando o espaço na mente,

Chega a vias de ser cômico,

Um Jekyll e Hyde deprimente.

Se um falece,

O outro tende a perecer,

Mas a disputa não arrefece,

O conflito de um viver.

Nessa dialética,

Um é tese e outro antítese,

A síntese é hipotética,

No máximo um palpite.

O Inferno de Sartre,

O sempre estar consigo,

Fugir dessa eternidade,

É um desejo querido.

Falo e a voz ganha eco,

Voltando como afronta,

Atingindo o rosto cético,

Um escarrar que se adianta.

Quando espanco aquele,

É com a vã expectativa,

De agredir apenas esse,

Mas estou longe dessa justiça.

Acordar ao lado do inimigo,

Dormir sendo velado por esse traste,

Antes quisera nem ter adormecido,

Mas até no sono não desfaz o enlace.

Cada dia sobrevivo,

Diante dessa companhia,

Resistir é estar vivo,

Humana natureza doentia.