Arte da Desgraça

Dancem macabros esqueletos,

Com seus corpos de ossos,

Fazendo dos corredores, guetos,

Compondo um povoamento inóspito.

Das catacumbas de alvenaria,

Surgem cadáveres ainda vivos,

Repletos do horror do dia-a-dia,

Com voz de arrepiantes silvos.

Nuvens de gafanhotos enfumaçados,

Irrespirável atmosfera metropolitana,

Pessoas vistas em mutilados pedaços,

Símbolos de uma realidade insana.

Enfermos que lotam leitos,

Cuidados por sãos adoentados,

Magia de mórbidos conselhos,

Sangue grosso que se faz atapetado.

Víboras encaracoladas,

Madeixas meduseantes,

Tombando das faces surradas,

Cobrindo feito véu angustiante.

Seios despejando veneno,

Que alimento fetos abortados,

Pululando purulento engenho,

Fábrica de desgraçados.

A droga é ideológica,

Pela lógica de idéias malfadadas,

Discursos que são pálida retórica,

Emaranhado de ininteligíveis palavras.

Mães de ventre podre,

Expelindo corrimento venéreo,

Veneráveis em um dia que nunca houve,

Deusas profanas de um templo decrépito.

Pais patrocinam os golpes,

Erigindo falos impotentes,

Fazendo das crianças famintas, consortes,

Igualitarismo de sujeitos decadentes.

Falta pouco para caminharem de quatro,

Se assim o fizessem seriam mais dignos,

Sobre duas pernas e joelho pouco curvado,

Apenas observam mais adiante o fúnebre destino.

A canção que embala é a 5ª sinfonia de Beethoven,

Mas que não ultrapassa o Allegro con brio,

Esse primeiro e repetido movimento que todos ouvem,

Angústia constante de seres reprimidos.

Sua dor não é do tipo que faz padecer a carne,

Mas adentra o espírito até lugares recônditos,

A vida é malograda por ser percebida com austeridade,

Diante do reflexo no espelho somos monstros hediondos.

Criamos nossa própria forma de criatura,

Sem um demiurgo para culpar,

Já que matamos o próprio deus das escrituras,

Bastardos que a natureza há de expurgar.

Não reproduzimos, criamos metástases,

Lesionamos esse corpo telúrico que habitamos,

Até o ponto de causar um desastre,

Onde somos destruídos junto a quem parasitamos.

Aquele menstruo contínuo,

Regurgitando endométrios uterinos,

Nadamos nesse mar vermelho fluídico,

Mais nefastos, por sermos corrosivos.

Essa série de rostos,

São Personas sem Anima,

Cada buraco é um poço,

Onde caímos sem ajuda de cima.

O lodo viscoso, também escorregadio,

Gruda e não permite escalada,

Escorridos em bueiros de um esgoto humanístico,

Tragados por rios de nascentes contaminadas.

Os abutres sobrevoam as carcaças,

Que fedem com aroma de perfume pútrido,

A doença é nossa própria caminhada,

Pestilentos ofendidos com a moral de um pecado absurdo.

Epígonos adâmicos desejando resgate do fruto maldito,

Renegados pelo Paraíso, acolhidos pelo Inferno,

Inconformados com tradicionais ritos,

Fazendo dos falecidos, acúmulo de dejetos.

O riso é Loki quem profere com humor maligno,

Olhamos para esse suposto Céu de nuvens plácidas,

Um pequeno fenômeno astronômico causa arrepio,

Profecias revelam uma tendência trágica.

Coro de outros animais,

Com falas não compreendidas,

Acusam nossas maneiras marginais,

Louvam em cantos a nossa despedida.

Um drink preparado com esmero,

Dionisíaco tônico da loucura,

Tendo a catástrofe por certo,

Embebedamos em lânguida descompostura.

Fomos denominados legiões demoníacas,

Cada um representa um idiossincrático diabo,

Ao mesmo tempo se fazem um deus de forma narcísica,

Vampirizados a ponto de perder o reflexo, mas não menos afogados.