Boca Morta

Um dia eu beijei uma boca morta,

Sem saber que seria,

No futuro seria uma funérea porta,

Algo que um dia ocorreria.

Compromisso com o descompromissado,

Já que desejamos amar eternamente,

Mas o eterno acaba com o fim do amado,

Sobra apenas a dor da saudade presente.

Vivenciamos na intensidade do ato,

Sentenciamos que seja ao infinito,

Até que numa ocasião o destino é ingrato,

Ceifa sem que tenhamos prévio aviso.

Na verdade soubemos desde tenra idade,

Descobrimos que um dia deixaremos de viver,

Mas prolongamos a descoberta como falsa verdade,

De repente, ela retorna com força que faz estremecer.

Nem o gosto daquele beijo me sobrou,

Uma vaga lembrança da forma daquele corpo,

Que habitava em volta da boca que me tocou,

De resto fica um vazio que não se satisfaz com outro.

Beijamos as bocas sem essa noção,

Um dia podemos perdê-las,

Mortas e seladas dentro de um caixão,

Só os vermes irão sorvê-las.

Hoje sou o verme antecipado,

Osculando esses lábios cadavéricos do amanhã,

Não passo de um profeta do já avisado,

As lágrimas do futuro serão hipócritas, malsãs.

Meu consolo é a retribuição,

Também sou pessoa num futuro morta,

Esses lábios também sepultarão,

Natureza trágica que por democracia conforta.

Então tomo essa boca ainda não apodrecida,

Aplico um beijo máximo de empirismo,

Aproveitemos com gozo essa tão curta vida,

Otimistas de um presente com futuro de pessimismo.