Canhoto Destro

Usar as mãos,

Um membro em cada parte,

Metade de uma inteira solução,

Divididos em uma corporeidade.

Abro a torneira com a direita,

Lavo primeiro a esquerda,

Fecho com a canhota mesma,

A destra antecipa e se seca.

Na hora de comer nova briga,

Uma pega o talher,

A outra o copo à mesa com bebida,

Ser educada nenhuma quer.

O ranho das narinas,

O dedo esquerdo segura a meleca,

Passa na manga da camisa,

O direito também retira uma remela.

Coça o cu, vai a que está mais perto,

Importa parar a coceira oxiúrica,

Se fosse nos pentelhos era chato por certo,

Dilema até em natureza mediúnica.

Aqueles psicografias canhotas,

E se o desencarnado era destro?

Ateus dizem que é pura galhofa,

É o capeta!! Gritam evangélicos.

Punheta é boa com troca,

Começa uma mão e termina na outra,

Promiscuidade vantajosa,

No final o prêmio vem em ejaculante porra.

Na hora de apontar,

Vale a rapidez do gesto,

Indicando o que afrontar,

Acusador manifesto.

Aquele soco bem dado.

Quebrando dentes,

Precisa ser bem executado,

Vem da mão mais potente.

Pra limpar o rabo no vaso,

Depende da posição da bunda,

Papel higiênico bem amparado,

A mão reserva se segura.

Entrelaçar das duas em mímica,

Ressoando aplauso de impacto,

Unindo forças pra puxar com valentia,

Ou empurrando um desequilibrado.

Repare qual das duas o proctologista usa,

Enfia o dedo direito no seu buraco,

Enquanto você se apóia com as duas,

Momento de alteridade manual em contato.

Nas carícias elas são prestativas,

Perscrutam o corpo do/a amante,

Entram em cavidades íntimas,

Parceria de mãos executantes.

Flagrante digital,

Uma das duas deu provas,

Boletim policial,

Em outros tempos era passivo de poda.

O desafio dos aleijados,

Sem uma das,

Outros sem as duas, coitados,

Só de pensar...

Cria-se mãos em mente,

Oníricas manuais,

Uma plêiade hindu emergente,

Polvo esquisito que se refaz.

Mão que tapa os olhos,

Esconde um visual sobrepondo,

Puxa o gatilho criando destroços,

Unhas enormes vão despontando.

Se toca um instrumento,

Dupla habilidade,

Irmãs gêmeas como instrumento,

Compactuando desde tenra idade.

São siamesas, presas num mesmo corpo,

Divididas por um tronco, coluna vertical,

Raiz que não das deixa ir pra um lado ou outro,

Ligadas a um dorso que tenta uni-las em órgão de pele integral.

Uma vai pra baixo e a outra pra cima,

Corpo em declive horizontal,

Uma é Nut e a outra Geb à revelia,

Até forma um ambidestro escritural.

A cigana pega uma delas,

Linhas do destino,

Mão divina é destra,

Infernal é canhota, está escrito.

Já nasce maldita a esquerda,

Associada ao feminino,

A direita pomposo esquarteja,

Vangloriando seu machismo.

No dedo vão-se os anéis,

Aliança que segura o compromisso,

Na mesma mão que trai os fiéis,

Adultério de mãos passadas que causam risos.

Mão que salva vidas,

Também as mata,

Hoje ela te acaricia,

Amanhã estrangula em desgraça.

Tapas na face,

Convidam pessoas,

Gesto de autoridade,

Na compaixão também é boa.

Avatar de rezas, ritos,

Dizem que nela reside o mistério,

Da evolução dos primeiros hominídeos,

Anatomia darwinista contestada por céticos.

Uma estala articulações da outra,

Cera que é removida do ouvido,

Cabelos arrancados com força,

Amargam ao ter um dedo perdido.

Patas não costumam ser rígidas nisso,

Pouco importa se um cão é destro ou não,

Caminha sobre as quatro convicto,

Nós vacilamos nessas duas em suspensão.

Sou destro pra escrever,

Canhoto pra chutar,

Com a direita ligo a tv,

Com a esquerda vou segurar.

Segurando livro,

Apoiando caderno,

Velando o riso,

Após trupicar, um agarro patético.

Uma adoece ou quebra,

A outra ganha notoriedade,

Competitividade indigesta,

Faz parte dessa binária sociedade.

Limpam, sujam, molham, secam,

Arrumam, desarrumam,

Alguns cortam porque dizem que não prestam,

No desespero até usurpam.

Fazem contabilidade,

Gestos de expressão numérica,

Ofendem com dedos em atividade,

Dão o sinal pra um feito em espera.

Atletas no esporte,

Divertem-se em jogos,

Há quem as ignore,

Muitos não tiram os olhos.

Na prisão são logo algemadas,

Começam a prender por elas,

Executantes objetivadas,

Fechadas ao redor de pulso menor são celas.

Enterramos, trazemos ao mundo,

Ensaiamos, dramatizamos, acionamos,

Umas viram famosas esculturas,

Post mortem conservadas para estudo anatômico.

Uma servindo de toldo por causa da luz do sol,

No mesmo instante a outra coça o saco,

Uma segura com firmeza um seio no ato sexual,

Enquanto a outra toca mais embaixo.

Aperto de cumprimento,

Adeus de saudade,

Dígitos em teclados virulentos,

Rubrica de analfabeto para a posteridade.

Mãos que falam,

Simbologia mais rica,

Porque aguça os que imaginaram,

Vai além do simples passar em vista.

Corteja e esquarteja,

Afaga e amarra,

Podem mostrá-las ou escondê-las,

Presenteiam e roubam feito ladras.

Servem de mote político,

Insuflam fanatismos,

Agentes rebeldes em desafio,

Promovem segregacionismos.

Lisas com cútis desejadas,

Grossas ou cabeludas rústicas,

Divinas ou bestializadas,

Pragmáticas e rúnicas.

Uma balança o berço do bebê,

A outra bate o martelo na audiência,

Unidas abraçam num ato de comover,

Na foto demonstram sua ausência.

Não somos destros ou canhotos,

Temos apenas o que chamamos de mãos,

Uma das partes desse ilusório todo que é tosco,

Mostrando-nos uma realidade de separação.