O Quarto

Quatro paredes,

Observo cada uma delas,

No meio poderia por rede,

Quem sabe uma aquarela.

Mas o quarto faz-se sombrio,

Me engole naquelas sombras,

Entre uma luz de pouco brilho,

Fresta da janela de persiana.

O sol mal se atreve,

Reina a penumbra,

No máximo uma resta leve,

Escuridão absurda.

Contemplo objetos.

Silhuetas que emergem,

Fito o teto,

Sinto a respiração entregue.

Apalpando o corpo,

Tateando-me inteiro,

Vou sentindo um outro,

Eu desvelado por dedos.

Guarda-roupas bruto,

Retangular figura,

Oprime por ser rústico,

Parece que empurra.

Faço dele armário,

Busco a parte de cima,

Retalho em pedaços,

Fragmento a companhia.

Mesa encostada,

Cabeceira quadrada,

Com foto posicionada,

Pé que fixa a malfadada.

Lâmpada ressaltada,

Mas conservada apagada,

Sem iluminar nada,

Enfeite de inútil morada.

Aquele piso frio,

Fazendo chão de tabuleiro,

Causa certo arrepio,

O pés o cruzam com receio.

Ventilador parado,

Um hélice que não venta,

Preto feito a madrugada,

Acumula poeira grudenta.

Essa abertura na parede,

Insinuando um fora,

Trancada diversas vezes,

Impeço a passagem pela porta.

Mãos atrevidas,

Na cueca tocam o membro,

Já ereto em vigília,

Prazeres que fazem passar o tempo.

Masturbação noturna,

Imaginação buscando memórias,

Antes de dormir só mais uma,

Para relaxar sem precisar que contem histórias.

Interruptor que brilha,

Leve iluminação,

Desse corruptor da sombria

Noite em evolução.

Livros expostos,

Impossíveis de serem lidos,

Fechados e grossos,

Tijolos para nada construídos.

Colchão que recolhe,

Acolhe o cansaço,

O sujeito se encolhe,

Delicioso espaço.

Lençóis emaranhados,

Abraço de tecidos,

Travesseiros encaixados,

Apoiadores de crânio suspendido.

Mãos que deslizam na cama,

Eletricidade que eriça os pelos,

Preguiça que aprisiona,

Leve roçar de pequenos pentelhos.

Rola-se para um lado e outro,

Olhos abertos pouco enxergando,

Pensamentos que caminham soltos,

Parece que o mundo está envergando.

Mas o que muda é o falo,

Num gesto forte e rápido,

Goza num breve ato,

Molhando-se de perna abaixo.

Na falta de céu,

Nada de nuvens com formas,

Num piscar de olhos ao léu,

Faz surgir simbologia mais remota.

Embaixo da porta vê um clarão,

Resquício de luz que adentra,

Sorrateira intrusa no chão,

Buscando esgueirar-se atenta.

As paredes enfeitadas,

Pequenos quadros,

Flutuações inusitadas,

Arte de pendurados.

Algum som tende a invadir,

Rompendo o silêncio,

Costuma o leve sonho ruir,

Odiosos em dado momento.

Quando o ruído é interessante,

A audição fica alerta,

Incentivando o inebriante,

A mente busca a causa que a desperta.

Latidos esquecidos,

Falatório de transeuntes,

Buzinas de veículos,

Telefone, campainha, grito.

Expectativa de filme de terror,

A suspeita de um maníaco,

Surpresa jamais posta em vigor,

Só o arrastar de chinelos no vazio.

Barulho do estômago,

Trazendo à tona a última refeição,

Engasgo de sonâmbulo,

Parece uma golfada interjeição.

Sonhos breves fazem o corpo saltar,

Causam um susto que o coração vibra,

Repentina manobra de se acordar,

Ofegante, o despertado respira.

Não se dá conta quando adormece,

Cai nas trevas do sono em si,

Ressuscitando quando o dia amanhece,

Iniciando outro momento quarto a lhe afligir.