O Dia Que Não Acabou

Pensar que o dia acaba,

Acordamos ou dormimos.

Dizemos que é uma estrada,

Com porteiras no caminho.

Traçamos calendário,

Com ele nos situamos,

Um simples abecedário,

De quem vive um engano.

Sol e lua estão firmes,

A Terra que gira,

O movimento que revive,

Uma bela fantasia.

Esconde um e revela outro,

Achamos bela a ilusão,

Claridade que nos deixa soltos,

Trevas que remetem a hibernação.

As datas querem aprisionar o Tempo,

Dizem quando foi, quando é e quando será,

Mas a vida segue sem cadastramento,

Toda essa taxonomia reduzida um dia se acabará.

Falam do ontem como se fosse hoje,

Do amanhã imaginado agora,

O presente como se real fosse,

Pulando nesses galhos de natureza torta.

Entre um dormir e despertar,

O dia não se priva de existir,

Pensa que ao se ausentar,

O mundo deixa de expandir?

Postulamos regras solares,

A trejetória do astro que guia,

Alguns preferem hábitos lunares,

Reduzidos a uma vã mitologia.

A partir disso formamos idades,

Determinamos um começo e um fim,

Moldamos um caráter de contabilidade,

Estatística que dita sobre lúdico ir e vir.

Quando determinaram o dia em absoluto,

Não se deram conta de sua não fragmentação,

Se faz um todo de existência em uso,

Vivenciamos o pleno num estado de contemplação.

Conceber o diário,

Requer mais que relatos,

Somos personagens ilustrados,

Palco de um trágico teatro.

O dia que nascemos,

Para outros é o que morreram,

Chegará o esquecimento,

Quantos nem de fato nasceram?

Proclamaram um numeração espacial,

Quiseram apreender o movimento,

Fomos lançados num acontecimento marginal,

Nem mortos findamos esse tormento.

Os que ficam reproduzem,

Herança de mistério revelado,

Alguns com a noite confundem,

Mas é apenas sombra do iniciado.

Transcorremos sem produzir obstáculos,

Nossas barreiras são diluídas,

Perdidos num insaciável e devorador espaço,

Onde acreditamos perecer por crença comedida.

Fazer nascer um ponto,

Um buraco negro em universos,

Pra medir o que somos,

Precisaremos perder o nexo.

Mesmo a Terra parando,

Conforme a canção do Raul Seixas,

Diariamente se integrando,

Tudo só é concebido tendo o dia como deixa.

O que farei amanhã?

O mesmo de hoje e de ontem,

Diária arraigadamente malsã,

Aprisionaram o pobre homem.

Esse somatório não passa de engodo,

O mesmo Um se alonga no infinito,

Nos faz presas para sustentar seu corpo,

Mas é vazio a ponto de ecoar nossos gemidos.

Mesmo na teologia,

Sejam as poli ou monoteístas,

Uma divindade jamais poderia,

Criar coisas em apontados dias.

O demiurgo faz,

Nós simplificamos em fragmentos,

Impossível particionar,

São ciclos por simulação de ligamentos.

Daí a definição de religião,

Queremos religar o que desligamos,

Mas como unificar se já existe a união?

Quanto mais esforço mais nos encarceramos.

O dia será sempre o mesmo,

O dia jamais acabou,

O dia em constância foi feito,

O dia apenas principiou.

Mas sábios alertam,

Se começa, acaba,

Quando os fins nos afetam,

Nós somos o que passa.

Oh Dia! O dia, odiamos ele,

Amando será indiferente,

Ignora nossas angústias e deleites,

Agrega fazendo o que há lhe ser dependente.

Diametralmente pitagorizado,

Numerologia de cabala hermética,

Abarca o que aparecer no seu costado,

Se faz dono de propriedade incerta.

Pensemos sobre a unidade de tempo,

Mas se o Dasein é contínuo,

Esse dia por mais que o façamos disperso elemento,

Nunca perdeu a característica magna de ser uníssono.