Aquele Que Nunca Foi

Acordo todos os dias,

Ou durmo pensando acordar,

Acordo sem saber que dormi,

Insone que nunca deixou de sonhar.

Como posso ter sido?

Dizem, "Ele", ou seja, "Eu",

Foi bom por ter feito isso,

Me digam, quando algo foi meu?

Caminhando não deixo rastro,

Pegadas são desapegadas,

Ontem não cabe mais no espaço,

Meu hoje é de natureza ignorada.

Para eu ter sido é preciso ser,

Mas como sou se ainda estou sendo?

Inconcluso nesse modesto viver,

Sigo, mas esse seguir eu não compreendo.

Ser ou não ser? Hamlet, estou indeciso,

Se sou, deixo de ser, se não sou, como conceceber?

Esses dias disseram que estava vivo,

Deve ser pelo fato de ainda não conseguir perecer.

O ontem foi um hoje de outrora,

Também um amanhã que nem concebia,

Agora digo ter sido por memória,

Nesse momento não sei que tempo valeria.

Passo num compasso que risca e apaga,

Grafite, borracha, deslizam juntos, justos,

Oroboros, peço que não se satisfaça,

A luz é só outra forma de perceber o escuro.

Vou, volto, volteio voltando-me num vulto,

Sombra desse corpo sem órgãos,

Se descuidar, rapidamente desapareço, sumo,

Escondido em cima, embaixo, porão, sótão.

Traço linhas para ser seguiado,

Guia cego, hipnotizado no solo,

Solitáro nômade, fragmentado,

Iludido com um sentido histórico.

História? Estória? Prosa fiada,

Vão tecendo essa realidade inventada,

Humor sem graça na trágica piada,

A natureza que só existe desanturalizada.

Fui? Não me recordo de ter ido,

Algumas coisas perduram,

Duram com perdas pelo caminho,

Pessoas com isso acostumam?

Falo, a voz não é fecunda,

Falácia não fálica,

Língua que se faz surda,

Expressão tácita.

Pé ante pé, só o ante,

[Ante]Passado,

Isso ocorre dur[Ante],

Pass[Ante] figurado.

Quisera ter sido,

Nem me preocuparia,

Fato assim ocorrido,

A lembrança não lembraria.

Seja, decretam os pragmáticos,

Como ser? Jamais fui e nem serei,

Não me aplicam modelos didáticos,

Vocês ditam, jamais me denominei.

O que mais faço é denominar,

Vou minando nomes denotados,

Detendo-me sem deteriorar,

Vencedor dos aclamados derrotados.

Venço a dor de rotas,

Pessoa cética de ética,

Ético na dúvida que estiola,

Gramática de inexistente léxica.

Patético, pathos que inunda,

Por nunca conter nada,

Muito vazio num raso que afunda,

Praxis de método sem prática.

Serei, contempla os epígonos de Pandora,

Pretender sem sequer ter pertensido, um preterido,

Pulo fases que a foice de Chronos não ignora,

Rindo com riso oprimido que é rizoma de ridículo sorriso.

Só isso, sou isso,

Inconcebível vislumbre,

Metapsíquico,

Choro podre, chorume.

Meta que é metástase,

Espalho em espelhos,

Espasmos me ataquem,

Pasmo por ter medo.

Feedback ao background, back to back,

Re[Volta], numa re[Vira]Volta,

Segue antes que seque e de leve me cegue,

Rodem a roleta, façam as apostas.

Posta [Posterior]Mente, [Ante]cedente,

Cedo mentindo a posteriori,

Teria um resquício de devassa delinquente?

Azar que é respeitada má sorte.

Espanto espantalho espetado,

Corvos lhe pousam com ar funéreo,

Estorvo em espamódico estado,

Alienado vivo que é oco cemitério.