A Cabeça

Olhos arregalados,

Desejando me perscrutar,

Inertes, fixados,

Sem pálpebras pra fechar.

Essa expressão circulada,

Fazendo uma volta facial,

Traços que se perdem ao moldar,

Ritmo de uma dança habitual.

Sem nariz, apenas orifícios nasais,

Dois buracos feitos olhos negros,

Abaixo dos outros olhos obitais,

Abismo que transmite medo.

Nada de orelhas, talvez tenham caído,

Feito do inominável que Beckett nominou,

Pra que escutar essa forma de jazigo?

É rosto-cova, desse jeito se apresentou.

Mas não poderia ocorrer forma assim sem cabeça,

Mesmo não prestando atenção nela, sei que ali está,

Suspensa e sem fixação, nada de pescoço que erga,

Flutuante esfera que parada não vai pra lá e nem pra cá.

Os cabelos são mero apêndice que cobre,

Uma espécie de manta com franjas,

Como rabiscos em linhas que do topo escorrem,

Estalactites lisas e terrivelmente planas.

Aquela feição de máscara bizarra,

Preenchendo o espaço circular,

Aquilo não é rosto, no máximo cara,

Quando observamos é difícil duvidar.

Não conseguimos notar os poros,

Os furos notados são mais salientes,

Transformam-se em qualquer troço,

Mostra tanto mesmo repleto de ausentes.

A boca se abre oval,

Lábios que são exagerados,

Beiços de animal,

Dentes expostos, arreganhados.

A língua fica escondida,

Feito serpente pronta pro bote,

A fena labial parece leporina,

Ósculo que menos doar e mais engole.

O canto esquerdo da bocarra maldita,

Costurado com linha grossa,

Um coser que deixaria Penélope aflita,

Tricô que é demoníaca troça.

Pende aquele fio ondulante de linha,

Indo além do círculo facial exposto,

Quase se fazendo de rebelde língua,

Fugindo desse redondo corpo.

Uma fala em forma de trama solta,

Pendurada como sobra indesejada,

Ligada por tênue fibra que destoa,

Fio que se faz trança dependurada.

Sem agulha para perfurar os beiço,

Já nascera entremeado assim,

Tentou fechar o orifício por desespero,

Mas rendeu-se a bocada, por fim.

Estranha figura ao mesmo tempo familiar,

Reconhecemos afinidades a ponto de desafinar,

Giramos feito roleta para as posições poder alterar,

Mas podemos manter parada e a nós mesmos fazer girar.

No movimento rotativo,

A visão mistura pela velocidade,

Olho parace virar ouvido,

A Linha parece um bisonho cavanhaque.

Sem as sobrancelhas,

Como saber as expressões de olhares,

Nem traços que indiquem maneiras,

De captar algo a mais nesses fixos detalhes.

São entalhes nesse corpo passivo,

Ativamente influente na nossa percepção,

Tentamos enveredar num hemisfério sombrio,

Mas essa estética não nos deixa escapar da primeira impressão.

Nada de profundidade, apenas superfície,

Não somos engolidos, mas nos impede seguir,

Um totem imperioso nos faz recuar em declive,

Só sentimos o impacto de na caricatura refletir.