Carne

Carne, é o que somos,

Corpos preenchidos,

Com isso nos deparamos,

Após morrer, carcomidos.

Um cachorro atropelado,

Carne amassada no asfalto,

Tripas misturadas no ato,

Miudezas que observo por alto.

Se os médicos trabalham,

Principalmente em cirurgias,

Carne que manipulam,

Destrincham na mesa em fatias.

Açougueiros de diversos estilos,

Uns lidam com pessoas e outros com bichos,

Mas a carnificina predomina nisso e naquilo,

Manuseando aquelas porções com ar frívolo.

Quando trepamos somos carnes misturadas,

O bebê que nasce é carne nova expelida,

O morto carne envelhecendo, putrefata,

Comemos dela e depois nos tornamos comida.

Meu corpo aberto em acidente,

Carne exposta, lacerada,

Como os animais abatidos, deprimentes,

Entranhas à mostra, rasgadas.

Carniceiros, carnívoros, carnais,

Não do pó ao pó, sim da carne à carne,

Nosso Deus devia ser um Chacal, nada mais,

Talvez Hiena pela pura leviandade.

É só aparecer uma escara,

Nos damos conta da carne,

Olhamos o prato de refeição diária,

Cheio de nacos para servir à vontade.

O atropelado é resto de carne espalhado,

O baleado é uma porção que vaza,

Os tecidos sem sensibilidade do queimado,

A fratura que agride, despedaça.

Não somos materialistas, isso é besteira,

Somos carnealistas, adoradores da carne.

Não somos Prometeu, com certeza,

Mas o abutre que come seu fígado com vontade.

Assim como nos serlf-service, comemos a quilo,

Também nos pesamos e constatamos qual nossa porção,

Escondemos com vestimentas o sentido reprimido,

Velamos o nosso interior pela carniceria em ebulição.

Temos mais a ver com a lógica do legista,

Que reconhece nossa condição de carne corpórea,

Mutilamos uma fração e aparecem as vísceras,

O anatomista reconhece nossa condição inglória.

O Diabo é mais inteligente que Jehová,

Ela faz seu pacto na carne e não dita leis em pedras,

Embora o Deus Judeu adore sacrificar,

Até o filho sagrado fez sangrar e ainda pediu modéstia.

Antes nosso Cristo ser Hannibal Lecter,

Provadores antropófagos da real natureza,

Um dia talvez algum messias canibal desperte,

Voltando aos tempos Astecas, cabeças postas à mesa.