O Olho

Diante do espelho,

Percebo aquele olho,

Órbita do lado esquerdo,

Subitamente me encolho.

Vivo vai expandindo a retina,

Brilhante com a luminosidade,

Aos poucos se torna turvo, feito neblina,

Logo perdendo sua antes evidente claridade.

Num processo inverso,

Vai se desenvolvendo pra dentro,

Seu aspecto se torna indigesto,

Cada vez mais ele s torna pequeno.

Primeiro esbranquiçado,

Uma espécie de catarata o toma,

Logo vai perdendo espaço,

Um buraco surge e impressiona.

Nada daquela roupagem de tapa-olho,

Sem o lirismo do estereótipo pirata,

Só o vazio daquela fosse sem um olho,

Uma lacuna que a outra órbita constata.

Feito dois seres divididos,

A face se faz em dois momentos,

Um olhar mantido, ainda vivo,

Outro sem enxergar, que sofrimento!

O buraco olha sem ver,

É visto ainda que não perceba,

Sem motivo resolveu retroceder,

Quem imaginaria essa incerteza?

Não foi uma mutilação,

Ninguém o arrancou,

Foi auto-inanição,

Simplesmente desintegrou.

O curioso é que a vista estava lá,

Mesmo com jeito de ausência,

Preconceito do que antes veio insinuar,

Um apêndice em forma de reticência.

Daí que veio a analogia com o cu?

Teria o ânus em outros tempos,

Uma órbita de fundo, isso é absurdo?

Qual a certeza que realmente temos?

O sujeito sem olho não chora,

Ou antes entra em pranto,

Só que sem lágrima pra fora,

Um choro sem o aquoso encanto.

Felizes eram os Cíclopes,

Embora com apenas um olho,

Se sofressem tal síndrome,

Teriam um muito pior malogro.

Em terra de cego quem tem um olho é rei,

Mas em terreno de muitas vistas na cara,

Quem perde um olho supera o vulgo de vez,

Surpreende pela falta que não o iguala.