Roendo Unhas
Olhar os dedos,
Vidrar-se nas falanges,
Sentir receio,
Desejo angustiante.
Estala as articulações,
Isso não é suficiente,
Olha os cascos como pães,
Alimenta-se compulsivamente.
Vai roendo as unhas,
Uma de cada um dos dedos,
Diminui a grossura,
Comendo tudo por inteiro.
Vai cuspindo fagulhas,
Engolindo cacos,
Arranca as cutículas,
Sem nenhum tato.
Puxa peles dos cantinhos.
Faz escorrer sangue,
Tomar banho é ardido,
Pedindo que estanque.
Rói até o sabugo,
Quase come o dedo,
Antropofágico verdugo,
Lambe até os beiços.
Esconde a mão arrebentada,
Seu prazer é neurótico,
Se deprecia de forma mutilada,
Auto-canibal estóico.
Vai roendo pedaços de si,
Engole pedaços de um "eu",
Regurgita depois de ferir,
Assopra a ardência que doeu.
De tão eufórico,
Come também as do pé,
Contorcionismo heróico,
Ignora inclusive o chulé.
Uns trocam esse prazer por outro,
Os fiéis mantém a tradição,
O ato falho condena uns poucos,
Recaídas por causa de depressão.
Apaixonados comem as unhas dos amantes,
Uma troca de partes ao estilo Frankenstein,
Chegam ao ápice ferindo um dos solicitantes,
Uns alegam que com isso eles se distraem.
Eu me como, vou me roendo,
Engolindo-me, cuspindo-me,
Regurgito e me sinto por dentro,
Sangro-me, esfólo-me com requinte.
A mãe diz: - Tira a mão da boca!
Ameaça colocar pimenta,
A vontade é irresistível, louca,
Vício que não se remenda.
Diz que tem produto que inibe,
Esmalte com gosto ruim,
Tiramos o embuste mesmo que irrite,
De volta ao roer, comer e cuspir.
Deve ser ódio por esse resquício evidente animal,
Cascos à mostra deturpando o sentido bíblico,
Será que Adão e Eva comeram as unhas como pecado original?
O roedor parece ter sempre aquele ar de cínico.
Como o Zé do Caixão deixou a dele crescer tanto?
Precisa ter um auto-controle monstruoso,
Agora sei porque o Diabo tem unhas tão grandes,
Viver com esse costume é mesmo um Inferno.
Somos uma Camarila, fácil de identificar,
Basta olhar as mãos expostas,
Logo percebemos o cotoco e estética irregular,
Com luvas são misteriosas.
Poderiam ser duras feito cascos de equinos,
Mas são maleáveis, dobram-se quando salivamos nelas,
Nos deixamos seduzir como belos cretinos,
E assumismo a posição do Pensador de Rodin por pilhéria.
Os filhos observam o hábito e copiam,
As gerações passam e o costume persiste,
Nem a questão da higiene nos privam,
Desse deleite que não há quem aniquile.