Loucura
Pergunta-me o que é a loucura?
Como posso falar de um estado destes,
Se não sei como se dá tal fissura,
Ou como perco a razão por diversas vezes?
Dizem que poderia perder a consciência,
Se assim for, não mais poderia logicizar,
Deveria deixar-me surpreender por inconsciência,
Fluir entre brumas que não são passivas de dissipar.
Colhendo frutos desta serpe infértil,
Que rasteja seu ventre vazio sobre o solo,
Espalhando sua improdutividade estéril,
A loucura prolifera sempre que a invoco.
Pra que serve enturpir-se de barbitúricos,
Tentar provocar algum estado de sinestesia,
Moderar efeitos de diversos distúrbios,
Se de fato, compõem a força que me motiva?
Voarei mais rápido que o vento possa acompanhar,
Os insetos tentarão seguir-me por simulação,
Mas serão vencidos e não poderão me alcançar,
Cairão como chuva mórbida que desaba por exaustão.
As formas que se contorcem diante de meus olhos,
Como emulações sombrias que emanam da chama de velas,
Criando um espetáculo de fantoches rotos e tortos,
Que irão bailar como vultos que estão sob minha tutela.
Introduzirei as mãos nesta terra pútrida,
Revirarei cada centímetro como se fosse um anelídeo,
Do pó ao pó, este é meu momento de fúria,
Enxergando minha essência telúrica como segmento vítreo.
Arrancando suspiros melancólicos das Fúrias esquecidas,
Despedaçando momentos que não mais se consolidarão,
Enclausurado nesta realidade nauseante e enegrecida,
Composta de atores coadjuvantes que não produzem nenhuma emoção.
Repleto de lendas e heróis mortos,
Cheio de presságios desmotivadores,
Contemplando o vazio por detrás das carnes e ossos,
Reproduzindo vulgarizantes dissabores.
Velando o silêncio como uma coruja atenta,
Atormentado pela discrepância de minha compreensão,
Facínora alimentado por sua própria delinquência,
Sem temor, pelo simples fato de ter perdido a razão.
Tocando uma esfera não compreendida,
Adentrando um território inimaginável,
Herdeiro de uma dor desmedida,
Professando um segredo detestável.
Sem pudores que possam contê-lo,
Amoral em meio aos prolongados desatinos,
Vivenciando um sedutor pesadelo,
Segue passo a passo como se tivessem-no convencido.
Abro o livro da vida, contemplando as páginas arrancadas,
Folhas amarelas com letras mal traçadas,
Capa em alto relevo de uma brochura desgastada,
Incompleta e a espera de novas caligrafias que jamais irão completá-la.
Lágrimas secas pendem como estalectites,
Com sabor que lembra o gosto do soro caseiro,
De pontas fendidas por Chronos e seu insaciável apetite,
Prontas a permanecer como arquitetura de verdugo derradeiro.
Expressando uma sonoridade que beira melancolia,
Arrastando os pés sobre poeiras cadavéricas,
Representando um tango cenográfico que contagia,
Em uma cadência ininterrupta de maneiras céticas.
Espetáculo de realidade dissolvente,
Fuga repentina de um aprisionamento,
Delírio por receio do que comumente
Nos torna mais um malfadado fragmento.
Torrente avassaladora de um hibridismo,
Composto pelo que somos, fomos ou seremos,
Transpostos por um estado antiquíssimo
Que remonta à diversas instâncias de tempos em tempos.
Saindo do eixo terrestre em direção ao infinito,
Que se assim for estará delimitado pelo conceito,
Pois encerro sua condição de ser, definindo-o,
Sem poder desvencilhar da contradição deste preceito.
Efeito da razão que volta a conduzir,
Contendo o estado insano manifesto,
Fazendo minha lógica racional assentir
Minha condição limítrofe de humano feto.
Por mais que tente a loucura, por mais que a loucura me tente,
Prolongarei ao máximo a realidade que compreendo,
Não por temores em relação ao desconhecido que produz a mente,
Mas pela percepção de que na ilusão do real pareço vivenciar por mais tempo.